sábado, 21 de dezembro de 2013

BOCAGE


Sou o poeta Bocage
Venho do Nicola
Vou p'ro outro Mundo
Se dispara a pistola

Morreu neste dia, em 1805, com 40 anos, pobre e miserável, no nº. 25 da Travessa André Valente, no Bairro Alto.
Chamava-se Manuel Maria Barbosa du Bocage, e foi um dos maiores poetas da língua portuguesa, injustamente conhecido por um anedotário popular de gosto duvidoso.
Camões era o seu ideal de poeta e, tal como ele, teve uma vida agitada e boémia, de amores e desamores, marinhagens até Macau e prisões no Limoeiro e Inquisição.
Espírito aventureiro, anti-monárquico, anti-católico, simpatizante da Revolução Francesa, irreverente, visão e temperamento românticos, profundo conhecedor e estudioso de francês, latim e mitologia clássica, um génio a escrever poesia, marcadamente no soneto, onde só precisamente Camões lhe pedia meças.

Falando de si...
 

Já Bocage não sou!... À cova escura

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!
 
 Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se  me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade! 
 
 
Falando de Camões... 
    
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu quando os cotejo!
Igual causa nos fez perdendo o Tejo
Arrostar co sacrílego gigante:

Como tu, junto ao Ganges sussurrante
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante:

Lubíbrio, como tu, da sorte dura,
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura:

Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da natureza.
 
 
E não só no soneto, como nas epístolas, odes, canções, cançonetas, cantatas, elegias.
Repentista, satírico, erótico, de verve brilhante, foi clássico (Elmano Sadino, como se designou na Nova Arcádia)
e anunciou o romantismo.
Para, de uma vez, se calarem os preconceitos, pede-se que Bocage, Elmano Sadino, seja lido e entendido.
Sendo, como é, um dos maiores vultos da nossa literatura.
 
Retrato próprio
 
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste da facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
  

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