sábado, 23 de novembro de 2013

PARABÉNS HERBERTO HELDER

 
Parabéns, porque hoje completa 83 anos um poeta maior da literatura portuguesa: Herberto Helder.
Nascido no Funchal, passando por Lisboa, peregrinando por Espanha, França, Holanda, Bélgica e Dinamarca, de tudo fez um pouco, jornalista, bibliotecário (figura fundamental na organização das bibliotecas itinerantes da Fundação Gulbenkian), tradutor, locutor de programas de rádio, operário metalúrgico, criado de cervejaria, policopista, cortador de legumes, até guia nas calçadas da prosrtituição em Antuérpia.
De tudo e de todos bebeu a inspiração para a sua poesia, da qual é marco a participação na revista "Poesia Experimental", em 1964 e 1966, ele que se iniciou com referências ao surrealismo, frequentador do Café Gelo, no Rossio, com escritores como Mário Cesariny ou Luiz Pacheco.
Em 1994 receberia o Prémio Camões, que viria a recusar, na linha da sua permanente atitude de evitar entrevistas, homenagens, destaques.
Ficamos com "A Colher na Boca", "Os Passos em Volta", "Electronicolírica", "Apresentação do Rosto" (apreendido pela Censura), "Cobra", "O Corpo", "O Luxo", "A Obra" ou "Photomaton e Vox".
Entremos numa livraria, sintamos o cheiro do papel, abramos e afaguemos o livro, enchamo-nos dos poemas de Herberto Helder.

"Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e tu estremeces como um pensamento chegado. Quando
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima,
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes caem no meio do tempo,
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram."
 

Sem comentários:

Enviar um comentário