terça-feira, 5 de novembro de 2013

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

 
Não, o título deste post não está directamente relacionado com o homónimo romance de José Saramago, ou a sua adaptação cinematográfica de Fernando Meirelles.
Para quem não esteja distraído, está entre nós uma delegação da Organização Internacional do Trabalho, fundada em 1919, actualmente agência da ONU, e que se debruça, entre muitas outras intervenções, sobre as condições do trabalho a nível mundial, equidade nas relações laborais e combate à pobreza.
O relatório entregue por essa Organização ao nosso actual des-governo é um autêntico atestado de incompetência passado às políticas seguidas nos últimos dois anos e meio, abençoadas pela troika, e que, em muitos casos, foram além da troika.
De facto, recomendar o aumento do salário mínimo, a actualização do indexante de apoio social, que é a unidade base das prestações sociais, o reforço do rendimento social de inserção social, a criação de um plano de investimento para reforço do emprego orçado em 1.000 milhões de euros, que representam muito menos do que o Estado paga pelos juros agiotas que nos debitam, é algo a que os ouvidos governamentais não estão habituados a ouvir.
Talvez algumas medidas agora recomendadas, e na actual situação concreta, não possam ser de imediato implementadas, face ao buraco que a política governamental se orgulha em continuar a aprofundar, mas representam um guião que, a ser pensado, estruturado e aplicado representaria, para os trabalhadores portugueses, para a sociedade em geral, um salto em frente na qualidade de vida.
Muito mais útil que o risível "guião" do Sr. Portas.
Mas quando este relatório deveria suscitar um debate frutuoso entre a classe política, os sindicatos, organizações patronais, ONG's, etc., assiste-se a quê?
O ministro Lambreta diz que é impossível aumentar o salário mínimo face ao memorando que o anterior governo assinou com a troika (claro que PSD e CDS nunca o assinaram, nem o puseram em prática...), Coelho está mudo e quedo, Crato diz que para pagar a dívida é preciso trabalhar um ano e não comer nada, já estivemos mais longe, e Cagarro, perdão, Cavaco Silva, refugia-se em banalidades, como afirmar que sempre foi contra salários baixos, motivo pelo qual sempre promulgou orçamentos e leis que, de facto, baixaram salários, e volta de novo à carga com consensos sobre a redacção de Portas, como se todos os partidos devessem ser obrigados a seguir esta cartilha, ele que, em momentos decisivos sempre sabotou consensos.
Porque, e é preciso reafirmá-lo, o que está em jogo é uma ofensiva ideológica do que há de mais brutal na nossa sociedade contra o Estado Social, o Trabalho, a Justiça.
Basta fazer as contas quanto às contribuições do Capital e do Trabalho para o "ajustamento", e de como o prato da balança se inclina só para um lado.
E depois não venham dizer que a luta de classes é coisa do passado...
Não é, é muito actual, e muito mais refinada e, por isso, mais perigosa do que a analisada no século XIX.
E mais letal, também.
O pior cego é o que não quer ver.
Será que não tem mesmo nada a ver com o romance "Ensaio sobre a cegueira"?
      

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