segunda-feira, 28 de abril de 2014

VASCO GRAÇA MOURA : ATÉ SEMPRE POETA!

 
Ontem, a cultura portuguesa derramou lágrimas sentidas.
Aos 72 anos, Vasco Graça Moura, poeta, romancista, dramaturgo, ensaísta, cronista, historiador, antologiador, advogado, político, gestor cultural, deixou-nos.
Vasco era, como muito apropriadamente o denominaram, um Homem do Renascimento no século XXI.
Fica-nos, felizmente, uma obra vastíssima, que na poesia atingiu os cumes do Olimpo.
"A poesia é a minha forma verbal de estar no mundo", dizia. E com toda a razão:

"Soneto do amor e da morte" ("Antologia dos Sessenta Anos")

quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

Não se pode, também, esquecer a sua excepcional craveira de tradutor, desde Racine ("Fedra"), François Villon ("Testamentos"), Dante ("Divina Comédia" ou "Vita Nuova"), Petrarca ("Rima e Triunfos"), Rostand ("Cyrano de Bergérac"), até aos sonetos de Shakespeare.
Foi agraciado com diversos prémios, desde o do Pen Clube Português ao da Associação Portuguesa de Escritores, do Prémio Vergílio Ferreira ao Prémio Pessoa, e, lá fora, citam-se o Colar de Ouro do Festival de Struga (Macedónia), de 2004, que já contemplou dois Prémios Nobel, e o Prémio de Tradução de 2007 do Ministério da Cultura de Itália.
De referir, também, o trabalho desenvolvido como administrador, primeiro da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, reflectido na dinamização editorial daquela casa, e, actualmente, à frente dos destinos da Fundação Centro  Cultural de Belém, cargo que ocupou desde 2012 até poucos dias antes da sua morte.
Poeta multifacetado, escreveu poemas que foram musicados e cantados por nomes como Camané, Carminho, Kátia Guerreiro, ou Carlos do Carmo.
("Morrer de Ingratidão" - Voz de Carlos do Carmo, música de Vitorino de Almeida, poema de Graça Moura e, ao piano, Maria João Pires - e digam lá se isto não é cultura!)

E Vasco Graça Moura faz-nos muita falta numa luta importante, de soberania: a defesa intransigente da Língua Portuguesa, contra esse crime de lesa-língua, como lhe chamava, e bem, a essa aberração que dá pelo nome de Aborto, perdão, Acordo Ortográfico, contra o qual batalhou, literalmente, até ao último suspiro.
Recomenda-se, sobre a matéria, a leitura do seu ensaio de 2008, "Acordo Ortográfico: A Perspectiva do Desastre" (Editora Aletheia). 
Em sua memória, por tudo quanto fez e escreveu, compete-nos continuar o combate pela dignidade da Língua, que deve evoluir a partir dos que a falam, escrevem e lêem, e não por imposição.
Lá onde estiverem, Vasco e o seu grande amigo José Saramago estão de olhos postos em nós.




 


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