sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 DE ABRIL : A POESIA ESTÁ NA RUA!

Quem a tem... (Jorge de Sena)

Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
Desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença

E sempre a verdade vença,
Qual será ser livre aqui,
Não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
É quase um crime viver.

Mas embora escondam tudo
E me queiram cego e mudo,
Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade. 

("Queixa das Almas Jovens Censuradas" - Música e voz de José Mário Branco, poema de Natália Correia)

Port-Wine (Joaquim Namorado)
O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova Iorque e no Rio e em Buenos Aires:
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bares.

O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.

Nas sobremesas finas as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.

As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos do cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlino
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos..

Em Londres, os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
mas a nós só nos sabe, só nos sabe,
à tristeza infinita de um destino.

O rio Douro é um rio de sangue,
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te!,
liberta-te, meu povo! - ou morre.


 ("Ouvindo Beethoven" - Música e Voz de Manuel Freire, poema de José Saramago)


Poemarma (Manuel Alegre)
Que o poema tenha rodas motores alavancas
Que seja máquina espectáculo cinema.
Que diga à estátua: sai dom caminho que atravancas.
Que seja um autocarro em forma de poema.

Que o poema cante no cimo das chaminés
Que se levante e faça o pino em cada praça.
Que diga quem eu sou e quem tu és
Que não seja só mais um que passa.

Que o poema esprema a gema do seu tema
E que seja apenas um teorema com dois braços.
Que o poema invente um novo estratagema
Para escapar a quem lhe segue os passos.

Que o poema corra salte pule que seja pulga e faça cócegas ao burguês
Que o poema se vista subversivo de ganga azul e vá explicar numa parede alguns porquês.
Que o poema se meta nos anúncios das cidades que seja seta sinalização radar

Que o poema cante em todas as idades (quem lindo!) no presente e no futuro o verbo amar.
Que o poema seja microfone e fale Uma noite destas de repente às três e tal
Para que a lua estoire e o sono estale e a gente acorde finalmente em Portugal.

Que o poema seja encontro onde era despedida.
Que participe. Comunique. E destrua para sempre a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua.

Que seja experimentado muito mais que experimental que tenha ideias sim mas também pernas
E até se partir uma não faz mal: antes de muletas que de asas eternas.
Que o poema fique. E que ficando se aplique
A não criar barriga a não usar chinelos.

Que o poema seja um novo Infante Henrique
Voltado para dentro. E sem castelos.
Que o poema vista de domingo cada dia

E atire foguetes para dentro do quotidiano.
Que o poema vista a prosa de poesia
Ao menos uma vez em cada ano.

Que o poema faça um poeta de cada funcionário já farto de funcionar.
Ah que de novo acorde no lusíada a saudade do novo o desejo de achar.
Que o poema diga o que é preciso que chegue disfarçado ao pé de ti.

E aponte a terra que tu pisas e eu piso.
E que o poema diga: o longe é aqui.



(1º. Comunicado do MFA - 4H 25 de 25 de Abril)

Abril de Abril (Manuel Alegre)
Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.



 ("Tanto Mar" - Voz, música e poema de Chico Buarque)

 
25 de Abril (Sophia de Mello Breyner  Andresen)

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
 

("Coro da Primavera" - Voz, música e poema de José Afonso)

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