sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 DE ABRIL, 40 ANOS.

 
Olha-nos nos olhos e fita-nos. 
Sereno, firme.
É o rosto, um dos rostos que abriram o peito às balas e arriscaram a vida para cumprir a Vida.
Chama-se Salgueiro Maia. Deu o rosto, outros o poderiam dar, muitos, mesmo muitos.
Convida-nos a aproximarmo-nos. Mais perto, mais perto.
Fita-nos e fitemo-lo. Parece que se ouvem palavras. Que se nos dirigem como balas:
"O que é que vocês fizeram do 25 de Abril?".
Questiona-nos, não como dono ou proprietário dessa data única, o que nunca quis ser, o que nunca quiseram ser.
Mas abriram de par em par as portas de Abril, num dos dias mais luminosos de uma História de 900 anos.
"Esta é a madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo", escreveu Sophia.
Dia raro e mágico, como, por exemplo, aquele em que Bartolomeu Dias banhou os olhos nas águas do Índico e, dobrando o Cabo da Boa Esperança, as naus deixaram para trás a Idade Média e cruzaram os mares da Idade Moderna.
E a 25 de Abril, eles dobraram o cabo da apagada e vil tristeza e inundaram-nos com os cravos da liberdade.
Que a deram a todos nós, repete-se, a todos nós.
"Era um Abril comigo, Abril contigo / Ainda só ardor e sem ardil", cantava Alegre.
Abril, 25 de Abril, não é só de uns nem de outros. É de todos.
Somos todos responsáveis por Abril, por acção ou omissão.
Abril não é só sessão solene, cravo, discurso tantas vezes cínico, hipócrita, mentiroso.
Não é só jantar, almoço, saudade, suspiro, manifestação litúrgica, apagar a fogueira, recolher as cinzas.
Abril é todos os dias, é lutar, pensar, reflectir, discutir, participar, mudar.
Não é votar e voltar as costas.
Lavar as mãos como se já não fosse connosco.
Abril é participar, exercer cidadania, soberania.
Em Abril quem mais ordena é o povo, e é ao povo que, seja quem forem os eleitos, as contas terão de ser prestadas.
Contas certas, honestas.
Abril é exigir, protestar, gritar, reunir, partilhar, solidarizar, denunciar, lutar, apear, expulsar.
Abril é respirar, pulsar, amar, viver, eu, tu, você, aquele, aquela, dar as mãos, levantar a cabeça, cerrar os dentes, soltar a raiva e dizer não, quando Abril querem apagar.     
Abril é ajudar a levantar e a caminhar os fracos, oprimidos, esquecidos, marginalizados, desprezados, e caminhar com eles e por eles.
Abril é dignidade, é felicidade, é direito a sermos humanos e não números.
Abril não é deixar correr os dias, é viver, todos os dias, como o primeiro ou o último.
"Senhor, falta cumprir-se Portugal!", escrevia Pessoa.
E falta cumprir Abril.
O que é da nossa responsabilidade e está nas nossas mãos.
Estendamos as mãos a Abril, sempre que Abril nos olhe de frente.
("Eu vim de longe" - Voz, música e letra de José Mário Branco)

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