domingo, 19 de janeiro de 2014

EUGÉNIO DE ANDRADE

Completaria hoje 90 anos, este beirão da Póvoa da Atalaia, que adoptou o Porto como sua cidade, e onde morreria a 13 de Junho de 2005. Nascido José Fontinhas, conhecemo-lo como Eugénio de Andrade.
Poeta lírico, emoções à flor da pele e da página, Eugénio de Andrade é um nome incontornável da cultura portuguesa do século XX, criador cujo trabalho é, no dizer de Saramago, "...poesia do corpo, a que se chega mediante uma depuração contínua".
Começou a publicar em 1936 ("Narciso"), e deixou-nos dezenas de obras, acima de tudo poesia, mas aventurou-se pela prosa e foi tradutor de nomes como Federico Garcia Lorca, Safo, Yannis Ritsos ou Jorge Luís Borges.
Foi agraciado com o Prémio D. Dinis (Fundação Casa de Mateus, 1988), Grande Prémio de Poesia da APE (1989), Prémio Camões (2001) e Prémio de Poesia do Pen Clube Português em 2003 por "Os Sulcos da Sede".
Mas, para já, deixe-se o lugar à poesia:

"ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus."
(de "Poesia e Prosa")
"URGENTEMENTE
.
É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer. "
(de "Até Amanhã")
 

  

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