sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

AI PORTUGAL, PORTUGAL...

 

1. Há uma semana atrás, a democracia sofreu mais um ataque. Por iniciativa(?) dos jotinhas do PSD, foi retirada a discussão e aprovação do projecto de lei referente à coadopção de crianças por casais do mesmo sexo, e aprovada uma moção que sujeita tal aprovação a um prévio referendo.
Cobardemente, para manterem o lugar cativo no hemiciclo, mais de uma dúzia de deputados prostituíram a sua própria consciência, ao votarem a favor de tal moção, quando eram favoráveis à lei.
Consciência? Deve ser mais um produto em saldos.
O que arrepia nisto tudo é que, em nome de uma "moral" retrógrada e bafienta, esta gente decide submeter a discussão na praça pública a um direito de minorias. Uma democracia é muito mais que a vontade da maioria. É, além de tudo o que se disser ou pensar, a defesa dos direitos das minorias.
E a defesa dos interesses dos mais fracos, neste caso, das crianças, cujos direitos há uma semana atrás, foram cruel e levianamente espezinhados por gente sem sentimentos. E que falta fazem os sentimentos...
E eles, que baixam a cabeça a tudo quanto a UE impõe como austeridade, pobreza e desigualdade, ignora "orgulhosamente só" (mais Rússia, Ucrânia e Roménia, todos bons companheiros!) as normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Europa só quando lhes convém...
E não falem em situações similares do instituto do referendo. A regionalização é um assunto de interesse geral e nacional; a interrupção voluntária da gravidez e não aborto, sff), aprovada no Parlamento, só foi referendada por teimosia de António "Hollande" Guterres.
Ou vamos referendar a abolição da escravatura, o casamento inter-racial, o direito de voto das mulheres?
Respeitem as crianças e os seus direitos, ou tal também não tem lugar nessa ideologia ultramontana?
Ai Portugal...   

(Jorge Palma "Portugal, Portugal)

2. O desenvolvimento científico e tecnológico, e respectiva investigação, sempre foram um caso de sucesso em Portugal, nos últimos anos, particularmente durante os ministérios de Mariano Gago, pesem embora todas as críticas que legitimamente se lhe possam assacar.
Saímos da cauda para o meio da tabela europeia, embora com orçamentos inferiores ao desejável pela UE (2% do PIB, em Portugal mal roçou 1%), o que se explica pela excelência das nossas escolas, laboratórios e instituições análogas.
Um país a desenvolver a investigação, a sua aplicação nas universidades e empresas, a todos os níveis, seja na economia, na engenharia, na medicina, na literatura, na história, a inovar nas tecnologias, a torná-las produtivas e reprodutivas, para o interesse de todos, é uma mais-valia que não se pode quantificar como um par de sapatos ou um quilo de rolhas de cortiça.
Mas essa não parece ser a visão e a ideologia de quem vê folhas caídas em vez da floresta. Camelos, perdão, Camilos Lourenças, Pires de Limas, "beatos" Césares das Neves, que tudo reduzem à inicativa privada, a cujos interesses todos se devem submeter, e abominam a iniciativa pública, estão a conduzir o país ao desinvestimento em Investigação & Desenvolvimento, ao futuro analfabetismo, à desertificação das universidades,  centros e laboratórios de pesquisa e inovação.
Esta diabolização de um inexistente despesismo do Estado só pode conduzir a um brutal empobrecimento cultural e, a longo prazo (coisa que não sabem o que é!) a muito maior despesa.
Agora, num momento, em que o próprio Eurostat vem reformular os seus critérios contabilísticos e classificar as despesas em I & D não como custos, mas como inverstimento!
Investigação só para elites, exacerbar a competitividade canibalesca como único factor de julgamento, como parece defender Rui Ramos, da FCT, é cavar mais um fosso entre portugueses, tal como o pífio e estafado argumento de que"humanidades" não interessam ao país.
Mas esta gente nunca entendeu (nem entenderá, é escusado...) que a cultura é, de facto, um "produto" cultural, vendável, exportável, gerador de receitas, de empregos, reprodutor de riqueza.
Veja-se, no texto seguinte ("Diário de Notícias"-21/01/14), a reacção da Câmara Municipal de Mafra quando se ameaçou cortar o livro "Memorial do Convento" do ensino de Português:   

Memorial do Convento fica no programa de Português - Portugal - DN


A riqueza produzida por investir na I & D é maior, muito maior do que, como diria Pires de Lima, ajustar a finalidade das bolsas científicas, que estariam "longe da vida real".
As empresas, na sua esmagadora maioria, estão preocupadas com tal, ou limitam-se a aguardar que os  frutos do investimento público lhes caiam no regaço? E, agora, com esta política cultural de terra queimada, tais empresas irão basear a sua competitividade (?) com oferta de salários mais baixos e tecnicos menos qualificados? Competitividade, onde?
Leia-se, sobre investimento científico, o excelente artigo de André Macedo, no "D.N." de ontem:


Quando, na menos negra das hipóteses, se  cortam 65% das candidaturas apresentadas por bolseiros, não são apenas as pernas destes jovens que se cortam, que se embarcam para a emigração.
É uma regressão de 20 anos.
É um país que se decapita. 
Para se transformar numa qualquer empresa S.A. (ou S.A.R.L. como há anos atrás)

 
("S.A.R.L." - Ary dos Santos)

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