sexta-feira, 18 de outubro de 2013

DÓI TANTO, DOUTOR *

 
Ontem foi o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza e da Exclusão Social.
E dia 15 foi apresentado o Orçamento do Estado para 2014.
E dói tanto, doutor....
Dói o cinismo, a hipocrisia, a mentira, o maquievalismo, a má-fé, a falta de vergonha, a ausência de dignidade desta gente para quem somos apenas números e não pessoas.
Doem os desempregados, os jovens sem futuro, emigrantes à força, manietados.
Doem os precariamente empregados, com ordenados, agora, este ano, metade do que eram há meia dúzia de anos pelo mesmo trabalho.
Dói que seja preciso estudar para se acabar escravo, como diz a canção.
Dói o desprezo, o ódio, a diabolização da saúde, da educação, do civismo, da cultura.
Dói, dói muito doutor, ver esta gente que des-governa a atirar jovens contra velhos, trabalhadores no activo contra reformados, empregados públicos contra os privados. 
Dói esta sabujice, esta subserviência para com aqueles que, de facto, são os culpados disto tudo, o eterno yesman às imposições de quem não conhece este país, nem quer saber disso para nada, nem de nós.
Dói ver tanta gente, cada vez mais, de noite, a esconderem-se no negrume da pobreza envergonhada, acossados, a fazerem fila para a sopa do Sidónio.
Dói ver esta gente a rebuscar mentiras viscosas, expedientes dilatórios, burocracias enlameadas, para negar abonos, subsídios, inserções sociais, condenar à fome, ao dormir na rua, ao regresso aos bairros negros do Barredo ou da Campanhã.
Dói tanto doutor, ver, de olhos bem abertos, empurrarem-nos para o fundo, tombarem-nos na lama, no visco, no esgoto, calcarem-nos para não nos levantarmos.
Dói saber que, se nos quisermos levantar, agarram-nos por todos os lados, enterram-nos uma coroa de espinhos e crucificam-nos por gerações!
E dói tanto doutor, saber que nos querem domesticar pelo medo, porque eles têm medo de nós.
 

* - A partir de uma ideia de José Fanha, a quem se deixa um grande abraço.

 
 

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