quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

ANTÓNIO VIEIRA

Hoje é um dia que, para nós portugueses, deveria ser de leitura e reflexão.
Especialmente nestes dias cinzentos de chuva e mais cinzentos ainda pelo chumbo que nos querem fazer pesar nos ombros. Falta quem, com eloquência, dê a voz aos oprimidos e discriminados.
Quem, além de contestar, o faça com o brilho que a Língua Portuguesa o permite, como poucas no mundo.
Como, por exemplo, um vulto da grandeza do Padre António Vieira, nascido em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1608.
Religioso, filósofo, escritor e orador, António Vieira é uma das figuras máximas da nossa cultura, e também da brasileira.
Missionário no Brasil, membro da Companhia de Jesus, defendeu tenazmente os direitos dos indígenas, combatendo a exploração e a escravidão. Também se bateu pelos direitos dos judeus em Portugal, lutou pela abolição da distinção entre cristãos-novos e os restantes católicos tradicionais, e pela abolição da escravatura.
Teve a coragem de criticar o clero do seu tempo e os métodos da Inquisição, que pretendeu acusá-lo de heresia, tendo em conta a sua visão sobre o chamado Quinto Império e o mito Sebastiânico (que, entre outros, seria seguida por um tal Fernando Pessoa).
António Vieira, a ler, e a reflectir e inspirar-nos sobre a sua obra. 
Deixou-nos cerca de 700 cartas e mais de 200 sermões.
Como o clássico "Sermão de Santo António aos Peixes", proferido em 1654 em São Luís do Maranhão, Brasil.
Sermões que são um clássico da literatura mundial e nos quais, com raro brilhantismo, criticou os podres do seu tempo. Ou do nosso tempo?    

"Já se os homens se comeram somente depois de mortos, parece que era menos horror e menos matéria de sentimento. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós. Vivo estava Job, quando dizia: Quare persequimini me, et carnibus meis saturamini? «Porque me perseguis tão desumanamente, vós, que me estais comendo vivo e fartando-vos da minha carne?» Quereis ver um Job destes?
Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado, já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.
E para que vejais como estes comidos na terra são os pequenos, e pelos mesmos modos com que vós comeis no mar, ouvi a Deus queixando-se deste pecado: Nonne cognoscent omnes, qui operantur iniquitatem, qui devorunt plebem meam, ut cibum panis? «Cuidais, diz Deus, que não há-de vir tempo em que conheçam e paguem o seu merecido aqueles que cometem a maldade?» E que maldade é esta, à qual Deus singularmente chama maldade, como se não houvera outra no Mundo? E quem são aqueles que a cometem? A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os pequenos: Qui devorant plebem meam, ut cibum panis."
(Excerto do "Sermão de Santo António aos Peixes")

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