quarta-feira, 14 de agosto de 2013

"PRIMAVERA" ÁRABE

 
"Soldados! Do alto destas pirâmides, 40 séculos de história nos contemplam!"
Diz a lenda que, com esta frase, Napoleão Bonaparte terá moralizado os seus soldados para a vitória, a 21 de Julho de 1798, no confronto conhecido por "Batalha das Pirâmides", travado a 15 quilómetros destas.
No fundo, o que o então general pretendia, era inculcar nos seus homens a grande responsabilidade que teriam de assumir, face às surdas testemunhas de um passado glorioso, de enorme progresso da civilização durante milhares de anos, desde o Antigo Império até à ocupação romana em 30 a.c..
E onde está hoje essa civilização?
Neste dia, na Praça Tahir, e outros locais do Cairo, o exército e a polícia disparam contra manifestantes, tendo provocado, até agora, segundo vários relatos (vd. CNN), dezenas de mortos e centenas de feridos.
O antigo presidente do Egipto, Hosni Mubarak, renunciara ao poder a 11/02/2011, após uma revolta popular iniciada em 25/01 do mesmo ano, e com o Exército a proclamar que nunca reprimiria os manifestantes. Então...
Mubarak ocupara o poder desde a morte do anterior presidente, Anwar Sadat, em 1981. Desde essa data, ou seja, durante 30 anos, governara com mão de ferro, ditatorial, apoiando-se numa Lei de Emergência que impedia eleições, impôs a censura à imprensa e outros meios de comunicação, proibia a livre expressão do povo, desde os moderados de Mohammed el-Baradei (Prémio Nobel da Paz em 2005 e antigo director da Agência Internacional de Energia Atómica) até aos sunitas da Irmandade Muçulmana.
Em seu redor, Mubarak estendeu uma longa teia de interesses económicos e corrupção, enquanto os egípcios se debatiam com problemas de explosão demográfica nos grandes centros urbanos, deficiências nas redes de saneamento básico, ausência de habitações condignas, de centros de ensino, de hospitais em número e qualidade suficientes, confrontando-se com uma economia incipiente, cuja principal fonte era o turismo.
Esta realidade, reprimida, teria de saltar para a rua e revoltar-se.
Tal não impediu que Mubarak e família acumulassem uma fortuna de 70 biliões de dólares, a maior de um ditador, segundo a insuspeita Forbes, e fosse acarinhado pelos Estados Unidos e grande parte do mundo ocidental, dadas as suas boas relações com Israel e a repressão sobre os movimentos islâmicos radicais. Fomentam-se alianças com ditadores e esquecem-se os povos. è dar azo a todo o tipo de ódios e fanatismos.
No entanto, assistiram à sua queda, tal como à de Ben Ali na Tunísia e Gaddafi na Líbia (já era um amigo...), fazendo votos para que a democracia triunfasse na África do Norte, desde que, claro, não colidisse com os interesses estratégicos daa auto-proclamadas potências. A estes movimentos chamaram-lhe "Primavera Árabe".
Um dos movimentos mais importantes, no meio de várias formações políticas que, no Egipto, saltaram para a ribalta, é a Irmandade Muçulmana, movimento islâmico sunita, fundado em 1928, com o lema "Deus é o único objectivo, Maomé o único líder e o Corão a única Lei e a jihad o único caminho". Refira-se que jihad significa "empenho", "esforço" e "luta", entendida como vontade pessoal de buscar a fé que se considera perfeita. A Irmandade fora proibida, quer pelo último faraó, Farouk, como pelos presidentes Neguib, Nasser, Sadat e Mubarak.
Não se preconiza qualquer guerra santa ou extermínio dos "infiéis" ou "santas" cruzadas. Diferenças culturais? Claro, sempre as há e sempre as houve. Aliás, após a queda de Mubarak, a Irmandade adoptou um discurso moderado, conciliatório, tanto interna como externamente, numa altura delicada para o país.
Curiosamente, no seu livro "A Ascensão do Quarto Reich: as Sociedades Secretas que Ameaçam Tomar a América", Jim Marrs argumenta que a Irmandade, movida, segundo diz, também pela sua crítica ao judaísmo e a aspectos da civilização dita ocidental e burguesa, e, também, à sociedade dita comunista, ter-se-ia aliado aos nazis, com batalhões próprios, e, no pós-guerra, aos ingleses na sua luta contra a guerrilha sionista na sua tentativa de criação do estado de Israel, que se veio a concretizar.
Um livro que bem se pode juntar a outros documentos, que constituem a chamada "teoria da conspiração". 
A partir da Irmandade, seria fundado o Partido da Justiça e Liberdade que concorreu às primeiras eleições legislativas, tendo ganho com 47% dos sufrágios, seguido do radical Al Nur com 24%.
Õ candidato do Partido, Mohammed Morsi, viria a ser eleito Presidente da República, na 2ª. volta das eleições, com 51,73% dos votos expressos, tomando posse a 30 de Junho de 2012.
A nova Constituição egípcia seria referendada e aprovada, em 15 e 22 de Dezembro de 2012, por 63,8% dos eleitores egípcios.
Em qualquer destes três actos eleitorais, de significativa importância para o povo egípcio, não foram detectadas irregularidades de monta, segundo observadores nacionais e internacionais.
A grande maioria dos eleitores escolhera as propostas do Partido da Justiça e Liberdade.
No entanto, sob o pretexto de uma tentativa de islamização do Egipto, real ou fabricada, quer a oposição interna, quer alguns meios ocidentais (receosos, decerto, da influência política da Irmandade), começaram a colocar em causa não só alguns preceitos constitucionais como, de igual modo, a autoridade do presidente Morsi.
Os acontecimentos precipitaram-se e, a 3 de Julho, um golpe militar, de carácter nitidamente ditatorial, depôs o presidente, dissolveu o Parlamento e suspendeu a Constituição.
Os apoiantes de Morsi e do seu partido, naturalmente, contestaram o golpe, manifestaram-se e concentraram-se nas grandes cidades. Hoje, o Cairo está a ferro e fogo, perante o ensurdecedor silêncio cúmplice dos Estados Unidos e de grande parte dos seus aliados, que não esconderam a satisfação pelo golpe que impôs nova ditadura aos egípcios.
Ou seja, a democracia é boa para os ricos e "limpinhos" ocidentais e seus amigos. 
Para os pobres, ou para o chamado Terceiro Mundo, tanto faz e, se os nossos interesses geo-estratégicos (económicos, militares e de influência política) forem postos em causa, fecha-se a democracia entre parêntesis. Mortos, feridos, liberdades varridas? São danos colaterais...
Tal como "danos colaterais" terão sido a anexação da Áustria, a ocupação dos Sudetas, as purgas no Exército Vermelho, Pearl Harbor, o incidente do Golfo de Tonquim, a repressão após a Primavera de Praga, as Torres Gémeas...
O apoio, tácito, ou envergonhado, a ditadores provisórios não resolve o problema do ocidente. Adia-o.
Hitler poderia ter sido varrido em 1936. Foi o que se viu...      
Al-Qaedas, Bin Ladens, foram apoiados, em momentos diversos, pelo ocidente. E depois espantam-se...
Se queremos boas relações com egípcios, tunisinos, sírios, afegãos, etc., e, também, o seu desenvolvimento enquanto povos independentes, comecemos pelo básico!
Não há povos superiores ou inferiores a outros.
Promovam-se, sem complexos, ou ideias de domínio, a cultura, a saúde, a educação, a habitação, a  alimentação, a liberdade de informação, e circulação da mesma, o direito à dignidade.
Debatam-se ideias, polemizem-se ideologias, confrontem-se religiões, mas abra-se o espírito à aceitação do novo, do desconhecido, ao ir mais além, à busca do entendimento, da cooperação, e verão como fanatismos de qualquer lado se esbatem até desaparecer. E as armas que os e deles se alimentam, e alimentam minorias corruptas.
De cada um conforme as suas possibilidades, a cada um conforme as suas necessidades, ou a "Primavera" árabe acabará no Inverno do nosso descontentamento.
E vendo bem, há por aí tantas primaveras... 
    

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