domingo, 25 de agosto de 2013

CHIADO: 25 ANOS DEPOIS!

"A uma esquina, vadios em farrapos fumando, e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, politicando" (Eça de Queirós, "Os Maias")
"Chiado, um cenário, um ritual de charuto a fumegar, à porta da Havaneza, Ramalho Ortigão assistiu à passagem por aqui du tout Lisbonne do seu tempo" (José Cardoso Pires, "Lisboa, Livro de Bordo").
"O Chiado sabe-me a açorda.
Corro ao fluir do Tejo lá em baixo.
Mas nem ali há universo.
E o tédio persiste como uma mão regando no escuro." (Álvaro de Campos, "Livro de Versos")
 

"O Chiado - resistirá. Enquanto existirem a Havaneza, a Brasileira e a Bertrand, temo-lo vivo." (Norberto de Araújo)
"Para ver o Mundo, só há dois píncaros: O Himalaia e o Chiado" (Guerra Junqueiro)

Ele é Camões, a descer do pedestal, esbaforido, Loreto acima, contornando a Rua das Chagas, espreitando, na Igreja do mesmo nome, Natércia dos seus amores, do seu fogo que arde sem se ver.
Ele é Bocage, desengonçado, despenteado, lavado de génio, descendo do Bairro Alto ao Loreto, passando o Chiado, para ir beber o café ao botequim do Nicola.
Ele é Herculano, descarregando dos burros vindos de Vale de Lobos, o fino azeite na loja da Casa Jerónimo Martins & Filho.
Ela é Amélia, ruborizada depois do encontro com Basílio, comendo desprendida e lentamente, um petit gâteau numa mesa da Ferrari.
Ele é Eça, descendo de braço dado, com Carlos da Maia e Maria Eduarda, do Camões ao Chiado, para irem almoçar ao Grémio Literário.
Ele é Bulhão Pato, tentando explicar ao chef da Jensen ou do Hotel Bragança as virtudes e os sabores das ameijoas que em seu nome baptizou.
Elas são as costureirinhas, rosto no chão, apressadas, tiquetaqueando Rua do Carmo acima, a comprar linhas e panos nos Grandes Armazéns do Chiado.
E outra vez Eça, com Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Rafael Bordalo, vencidos da vida, grupo jantante no Tavares, preparando conspirativas Conferências do Casino, no Casino Lisbonense, no então Largo da Abegoaria.
Elas e eles, mãos e corações dados, calcorreando o Camões, a Marechal Saldanha, os olhos cheios de Tejo e amor, a ver barcos em Santa Catarina.
Elas são as criadas de dentro, roliças, alvas nos seus aventais, subindo a Rua do Carmo e a Rua Garrett, buscando as vitualhas no Jerónimo Martins ou na Casa José Alexandre.
Ele é Fernando Pessoa (ou Álvaro de Campos, ou Alberto Caeiro, ou Ricardo Reis, ou, ou?), saindo da Bertrand, Ruas Garrett e Nova do Almada abaixo, direito ao Martinho da Arcada e ao jantar, e à poesia, ou ao esoterismo, ou às traduções, ou à correspondência, ou ao tudo que dele fez único.

Ele é Stuart, no Largo de São Carlos, debaixo da janela onde nasceu Pessoa, desenhando com risco certo e mordaz, as faces, os vestidos, as casacas, os disfarces dos elegantes que vão à Ópera a São Carlos para exibirem as peles, as jóias e os charutos comprados mais acima na Havaneza.
Eles são outra vez Stuart, ou Bernardo Marques, desenhando as coxas das varinas, tamancando rua acima, rua abaixo, equilibrando canastras e vidas, ancas gingando nas palavras da poesia de Cesário Verde. 
Ele é Aquilino Ribeiro, saindo da fumegante bica na Brasileira, para se enfiar nas folhas escritas, montes delas, centenárias, na Sá da Costa, conversando talvez com Abel Manta ou Ferreira de Castro, ou frequentando a tertúlia do médico Pulido Valente.
Ele é Fernando Lopes Graça, saindo da Academia dos Amadores de Música ali na Trindade, folheando cadernos na Barateira do alfarrabista Rui, lendo partituras na Valentim de Carvalho, avaliando batutas e medindo metrónomos na Custódio Cardoso Pereira.
Ele é Ribeirinho e ela é Leonor Maia (Tatão), descendo o Chiado, ele para o Grandella, onde mestre Vasco (Vasco Santana) o espera impaciente, ela para a Perfumaria da Moda, onde o cínico namorado (Arthur Duarte), impaciente, promete bengalada no rival.
Ele é Artur Portela (Filho), galgando ofegantemente o Carmo e a Trindade, para entregar no "República" as provas da prosa queirosiana de "A Funda", zurzindo ironicamente nos Condes de Abranhos, Dâmasos Salcedos, Z.Zagalos do nosso tempo.
Elas e eles são as mulheres e os homens dos jornais, do "Diário de Notícias", do "Diário Popular", de "O Mundo", do "Correio da Manhã", do "Record", de "O Século", de "A Capital", do "Diário de Lisboa", de "A Bola", da "República!, décadas no Bairro Alto, redacções, máquinas de escrever, Baptistas Bastos de pasquim no sovaco, cheiros a tinta, a papel, a suor, a paixão, Carlos Pinhões e as piadas que atingem fundo, a primeira edição, sorvendo apressadamente nas tascas, restaurantes, na Cervejaria Trindade, desaguando pregões das "Últimas!", do "Fala o Rocha!", Chiado abaixo, até à cidade.
E elas e eles entrando, furando, acotovelando, acariciando, apaladando, escutando, sorvendo, na loja, em todas as lojas, o Martins & Costa, a Casa Batalha, o Eduardo Martins, a Discoteca Universal, o Grandella, o Chiado, a Casa José Alexandre, o Ramiro Leão e o seu elevador Arte Nova.
Ele é o Eduardo Gageiro, guardando as nossas memórias calcorreando ruas e travessas, becos, igrejas, lojas, miradouros, largos, misturando-se com soldados, cravos, trabalhadores, estudantes, desfiles, polícias, manifestações, abraçando o Chiado na película das fotografias, sempre eternas, sempre contando vidas.
Eles são os UHF e "Olha como é/ A Rua do Carmo...", e ele é Vitorino, cantando a Leitaria Garrett, "No Chiado, à tardinha, às vezes...".
Ele é José Saramago, olhando a estátua de Camões, e imaginando, escrevendo na memória, a janela do prédio por detrás, no último andar, encostada à direita, onde irá montar o consultório de Ricardo Reis.
E ele é Salgueiro Maia, Rua Nova do Almada, Rua Garrett, Calçada do Sacramento, blindados acima, novos cavaleiros da gesta, não dirigindo-se ao Paço que matom o Mestre mas, revivendo nas páginas de Fernão Lopes, direito ao Carmo prender Marcelo Caetano, que é 25 de Abril.      
Ele é o Chiado, coração pulsante de Lisboa, a menina e moça, renascendo das cinzas.





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