quinta-feira, 2 de maio de 2013

MAIO DE 68: A IMAGINAÇÃO AO PODER

A 2 de Maio de 1968, os estudantes da Universidade de Nanterre (arredores de Paris) marcam uma jornada anti-imperialista com interrupção das aulas. O reitor decide, unilateralmente, o encerramento da escola. O movimento de contestação propaga-se à Sorbonne e a todo o Quartier Latin (margem esquerda do Sena, Paris).
Começa a maior revolta espontânea, tanto política como cultural e social, dirigida contra a sociedade tradicional, a que a França e a Europa assistiram, até hoje.
O mal estar estava latente em toda a sociedade francesa. A sociedade de consumo tomara conta do quotidiano, sem se tomar consciência de todas as implicações e desequilíbrios mundiais daí decorrentes.
Desde há um ano que a economia se deteriorava, com 500.000 desempregados, 2.000.000 de trabalhadores com o salário mínimo e queda dos salários. O interior desertificava-se, e emigração aumentava, e a pressão urbanística criava os "bidonville" `nos arredores das grandes cidades, especialmente Paris, com relevo para o de Nanterre, mesmo ao lado da novíssima Universidade, o que faria os estudantes reflectir sobre a qualidade de vida dos trabalhadores.
A procura de quadros acéfalos para assessorar os possuidores dos meios de produção resultou na massificação do ensino superior, criando estrangulamentos a nível de apoios sociais, material, transportes, etc. 92% dos estudantes universitários provinham das classes média/alta, o que não impediu quer uma gradual tomada de consciência do seu papel na escola, quer na sociedade.
Por outro lado, a longa permanência de De Gaulle no poder (desde 1958), o paternalismo quase sufocante da sua concepção política e executiva, desgastavam o ambiente político francês. O Partido Comunista, na altura o maior da Europa, não resolvia as suas contradições internas desde o Estalinismo, e desiludia os mais jovens. A contestação unia-se no repúdio da Guerra do Vietname e da nuclearização do continente europeu.
Culturalmente, também se assistia à mudança. Desde o Concílio Vaticano II, que abalou a Igreja Católica, até aos movimentos hippie e Poder Negro do outro lado do Atlântico. Multiplicavam-se os exemplos dos padres-operários, começavam, timidamente, a aparecer as escolas mistas, mas mantinha-se a proibição de as raparigas usarem calças nos estabelecimentos de ensino, enquanto o uso da pílula era autorizado desde 1967. Acentuava-se a clivagem entre a juventude e as regras morais anquilosadas e ultrapassadas.
A juventude começa a acreditar que pode ser sujeito activo do poder político e social e pôr em causa a autoridade dos adultos e poderes instituídos. As condições estavam criadas para uma nova dinâmica social.

IL EST INTERDIT D'INTERDIRE

SOYEZ RÉALITES: DEMANDEZ L'IMPOSSIBLE

No dia 3 de Maio, no rescaldo dos acontecimentos de Nanterre (onde Daniel Cohen-Bendit seria suspenso), a Sorbonne é ocupada por cerca de 400 estudantes, que iniciam uma reunião sobre o sucedido e questionando a política e a sociedade. Sem aviso prévio ou negociações, e a pedido do reitor, a polícia de choque invade a escola (o que estava interditado pelo estatuto universitário), espanca e prende estudantes.
O reitor de Nanterre e muitos professores protestam (entre eles Alain Geismar, presidente do sindicato dos professores universitários), protestam e muitos tomam o partido dos estudantes.
Face a estes factos, a revolta espalha-se. O Quartier Latin é palco de barricadas, com o apoio de muitos moradores, que a custo, e à custa de brutalidade, a polícia tenta dominar.



Os partidos tradicionais de esquerda, e os sindicatos "regimentais" desconfiam deste movimento.
No entanto, as bases operárias e trabalhadores compreendem que o movimento é mais amplo, e que, no fim, coloca em causa o poder político e a distribuição da riqueza em França (e no mundo).
A 13 de Maio a França está em greve geral. Um milhão de estudantes e operários desce os Campos Elísios.
A 16 de Maio centenas de fábricas são ocupadas, muitas delas começam a laborar em auto gestão.
22 de Maio é o apogeu do movimento grevista.

Para além das tradicionais reivindicações quantitativas, os trabalhadores associam, o que é significativo e inédito, reivindicações qualitativas: autonomia, responsabilização (e não automatização) dos assalariados, cogestão das empresas, auto gestão.
A nível cultural, por exemplo o teatro Odéon transforma-se em forum onde tudo e todos podem discutir sobre tudo, criticando, propondo, imaginando, dialogando, libertando a palavra, que, entretanto, se espalhara, livre, pela cidade.
Vizinhos, novos e velhos, homens e mulheres, desconhecidos, conversam, discutem, agitam as consciências.
Nestes dias, perante a demissão e a inoperância do Poder, são os sindicatos e os comités de empresas que mantêm a França de pé. E, a nível cultural, e intelectual, a rua, as escolas, as fábricas tentam acender a lutas que nasce da discussão.
LES MURS ONT LA PAROLE

Só que o Poder reage, e tenta absorver a contestação, com o consentimento tácito dos grandes sindicatos (CGT), do patronato e dos partidos tradicionais (PCF entre outros).
Os chamados Acordos de Grenelle, de 27 de Maio satisfazem, acima de tudo, as reivindicações qualitativas: aumento de 35% do salário mínimo, aumento de 10% dos salários reais, 4 semanas de férias pagas, criação de secções sindicais de empresa.
Mas estes acordos são rejeitados pelas bases.

TRAVAILLEUR: TU AS 25 ANS, MAIS TON SYNDICAT EST DE L'AUTRE SIÈCLE! 

Também a 27 de Maio, tenta-se criar um governo de salvação nacional, presidido pelo socialista Pierre Mendès-France, mas a hipótese gora-se.
Por fim, a 30 de Maio, são convocadas, para 29/30 de Junho, eleições gerais legislativas, que virão a proporcionar a De Gaulle e ao seu "partido" a maioria absoluta.
De Gaulle não caiu, mas provou-se que era substituível, como qualquer outro agente político.
Mas a explosão de Maio começa a perder força. A chantagem do poder corrói com veneno. 
No início de Junho, as greves começam a ser suspensas, muitas fábricas são desocupadas, à força bruta, pela polícia de choque, e entre 14 e 16 de Junho a Sorbonne e o Odéon são "limpos".
Daniel Cohen-Bendit é exilado e proibido de entrar em França (NOUS SOMMES TOUS DES JUIFS ALLEMANDS).
Apesar de toda a agitação, contam-se 5 mortos (1 polícia, 2 estudantes e 2 trabalhadores).


E AGORA? 

O Maio de 68 foi, inicialmente, uma revolta da juventude estudantil, alastrando ao mundo do trabalho e a toda a população, e sobre todo o território francês.
Foi o maior movimento social da França e da Europa no século XX.
Mais do que uma simples contestação ao regime, ou do que reivindicações materiais ou salariais, foi uma contestação uniforme de todos os tipos de autoridade.
Deseja-se a liberalização dos costumes, contesta-se a velha Univdersidade e o velho ensino, coloca-se em causa a sociedade de consumo e as instituições e valores tradicionais, incluindo as relações familiares e entre sexos.
O Maio inscreve-se num conjunto de acontecimentos nos meios estudantis e laborais de muitos países, como a Alemanha (movimentos dos estudantes alemães socialistas), Estados Unidos (Universidade de Berkeley, contestação à Guerra do Vietname, Poder Negro, movimento hippie), México, Brasil, Checoslováquia (Primavera de Praga).

A herança de Maio é enorme, mesmo para os que o criticaram e criticam, e muitas das suas conquistas, designadamente nos planos social e cultural, mais que puramente político, estão bem vivas.
As medidas quantitativas dos Acordos de Grenelle foram, de facto, aplicadas, a velha Universidade Napoleónica foi desmantelada, a sebenta iria dar lugar ao conhecimento e à discussão, o aluno passa de discípulo a sujeito interveniente. Fala-se em coeducação e participação. Alunos e pais passam a fazer parte da composição dos conselhos escolares.
Maio vem chamar a atenção para a Ecologia política (Cohen-Bendit, velho e grande lutador, é deputado pelos Verdes no Parlamento Europeu), as relações familiares e entre os sexos assenta em bases dialogantes e responsabilizantes, institui-se a descentralização, fala-se no regresso à terra e à preservação dos costumes locais. da cultura popular e de raiz.
A sociedade francesa abre-se, bruscamente, ao diálogo social e mediático, que se infiltra em todas as camadas sociais e familiares.O exemplo extravasa fronteiras.
A interrupção voluntária da gravidez foi despenalizada, e a maioridade consagrada para os 18 anos (em 1974).
Toma-se consciência da mundialização da sociedade moderna e põe-se em causa o modelo ocidental da sociedade de consumo.
Dá-se lugar à autonomia, à realização pessoal, à criatividade, pluridisciplinaridade, recusa e interrogação sobre as regras tradicionais e autoridade. Fala-se, e implementam-se, a auto gestão, a cogestão, o comunitarismo.  
A cultura, e a fruição da mesma, democratizam-se, multiplicam-se as Organizações Não Governamentais, muitos membros da Igreja querem regressar aos valores originais, a consciência antinuclear ganha dimensão, questionam-se as certezas dos velhos partidos de esquerda.
Enfim, toma-se consciência da dinâmica individual, da dinâmica de grupo, de tudo questionar, de não acreditar em certezas absolutas, de que tudo é relativo, como diria Einstein.
A França, a Europa e o Mundo já não eram os mesmos! Maio de 68, no fundo, valera bem a pena e será um farol para acções futuras, a nível mundial.

PRENEZ VOS DÉSIRS PAR LA RÉALITÉ
 

E como a actual e amorfa Europa bem necessitada anda de um novo sobressalto...Europeu!

  
  

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