quarta-feira, 8 de maio de 2013

DOMINGO EM FAMÍLIA

REDACÇÃO

Aos domingos é um rebuliço lá em casa, anda tudo maluco, pudera, é dia de cozido à portuguesa, é um vê se te avias na cozinha, até porque hoje temos visitas, a minha mãe é como se tivesse seis braços, assim como aquelas estátuas que se vendem lá em baixo no Martim Moniz, sabem, aqui da Graça ao Martim Moniz é um vai num pé vem noutro, o meu pai até parece um fiscal da ASAE, ou lá o que é que ninguém mais viu, a meter o nariz nos enchidos, a arregalar o olho para o porco, a provar do garrafão do briol comprado na tasca do velho holandês Santos, com tanta prova ainda fica com uma cadela antes do almoço, enfim, o que ele quer é que o almoço acabe antes das cinco, que é para ir para a tasca com o resto da cambada dele ouvir o Benfica, e daqui a pouco chegam as visitas! Primeiro, o Sr. Silva, que é o que vende botijas de gás e pitrolim, e no verão vende farturas aos turistas em Belém, mais a esposa, a Sra. Maria, que anda sempre elegante, parece daquelas modas que estão nas montras do Martim Moniz! aqui a Graça já os topa, entram sempre mudos e saem calados, depois o puto, o Coelho, assim a modos que um estafermo de songamonga, que não diz uma prá caixa, sonsinho, aparvalhado, com um penteado amaricado, eu é que sabia onde meter os enchidos no coelho, e a seguir o Gaspar, que é o que faz as  contas do gás e do pitrolim, um enfezado acabrunhado, parece um fantasma o raio do homem, dizem aqui na Graça que faz as contas, mas nem a tabuada sabe, eu sei mais do que ele, que faz tão bem que em vez de somar só sabe tirar, e o palerma do Silva ainda se ri, ele é só erros atrás de erros, até dizem que tem uma cena em que desvia botijas e vende pitrolim às escondidas, ganda noia, não, este não veio, mas temos à porta o Paulinho, sempre delicado, vende atoalhados contrafactivos, ou lá o que é, nas feiras, mas o meu pai diz que o que o gajo vende é pó de talco, não sei o que o pó tem a ver com o Paulinho, mas o meu papá é que sabe, e por fim vem o Álvaro que vende pastéis de nata que sabem a macdonaldes, ali na esquina da esquadra da Graça, são todos amigos, o Álvaro e os bófias, lá diz o papá! E o papá agora passou-se dos carretos, Então afinal vem esta gandulagem toda, o cozido já não chega, o Silva julga que aquilo é bolo-rei, o Gaspar confiscou os enchidos todos, que é para não nos enchermos, bem feita, o Coelho julga que as couves são toalhetes de cheiro, o Paulinho atirou-se ao rabo de porco, o Álvaro pegou a vaca pelos cornos, e todos juntos mamaram o garrafão, e nenhum diz coisa com coisa! O meu pai fartou-se, pegou na minha mãe e em mim, e lá vamos comer um frango assado à tasca, e ele aos berros pelas ruas da Graça, Já que comem tudo da nossa casa, atafulhem-se e rebentem todos no meio do regabofe, vamos é ouvir o Benfica nas calmas, o Calado é o melhor, pois, mas o Eusébio é que jogava, digo eu, e são assim os domingos em família, mas pela amostra qualquer dia o meu papá acaba com o cozido, e acaba-se a mama, digo eu.  

Guidinha  

 

(NOTA: Este pequeno texto é uma sentida e modesta homenagem ao saudoso "Diário de Lisboa", que ontem completaria 92 anos, ao seu suplemento satírico "A Mosca", e ao autor das "redacções da Guidinha", o grande dramaturgo Luís de Sttau Monteiro ("Felizmente há luar", "Angústia para o jantar", etc.)

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