quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

MAIS UM TIRO NO PÉ!

 

“O Conselho Científico considera que nenhuma avaliação pontual, realizada através de uma prova escrita “de papel e lápis” com a duração de duas horas, é efetivamente válida e fiável se não for integrada numa estratégia global e contínua de formação e avaliação. Assim sendo, a PACD afigura-se-nos como uma iniciativa isolada, cujo propósito mais evidente parece ser o impedimento ou obstaculizar o acesso à carreira docente.” - Extracto do Parecer do Conselho Científico do IAVE (Instituto de Avaliação Educativa, I.P)

Não bastavam ao Crato as trapalhadas da colocação de professores, a contestação generalizada dos agentes educativos (pais, alunos, professores, auxiliares) perante a declarada e implementada destruição da Escola Pública.
E um dos aspectos mais criticados foi a chamada Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades para professores contratados, menorizando a sua competência e de quem os formou.
E agora, para cúmulo e vergonha do Sr. Ministro, vem agora um Instituto que faz parte do seu Ministério a pôr em causa, com argumentos técnicos e científicos (e não políticos, Sr. Crato....) tal famigerada prova.
Donde se prova que não é Ministro quem quer, ou quem tem um programa ideológico próprio, ao arrepio do sentir da academia e da sociedade.
De facto, ó Crato, há dias em que não se pode sair à rua.....



Em anexo: Texto completo do Parecer



CONSELHO CIENTÍFICO
Comissão – PACD/PACC
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PARECER SOBRE A PROVA DE ACESSO À CARREIRA DOCENTE -
PROVA DE AVALIAÇÃO DE CONHECIMENTOS E CAPACIDADES
Uma vez analisado e discutido o quadro legal e o processo de implementação da Prova de Acesso à Carreira Docente (PACD) promovida pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC), e nos quais o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE)1 desempenha um papel central, o Conselho Científico do IAVE, enquanto «órgão de consulta e apoio técnico-científico em matéria de avaliacão»2, pretende dar a conhecer a sua posição sobre esta prova. Antes da emissão do parecer em apreço, e enquanto membros deste Conselho Científico, queremos sublinhar que é um dever das instituições do Estado e dos agentes sociais priorizar a defesa do ensino público e a melhoria da qualificação académica da população, como um dos pilares fundamentais para o bom funcionamento de uma sociedade democrática, justa e sustentável. Todas as instituições do Estado ligadas à área da educação devem estar orientadas para o objetivo principal de assegurar a idoneidade dessa formação. Assim, enquanto representantes de diversas associações profissionais de docentes e, por isso, membros deste Conselho Científico (CC), reiteramos o nosso apoio crítico às medidas que assegurem a melhoria da qualidade do sistema educativo português, tanto nos seus aspetos humanos, como materiais e organizativos. Nesse sentido, acreditamos que a PACD apenas deveria servir como mais um recurso e contributo para um ensino mais qualificado, acreditando a adequação da formação científica, pedagógica e didática dos professores que venham a integrar a carreira docente prevista no nosso sistema educativo. Em consequência, concordamos com as finalidades gerais declaradas na PACD, posteriormente designada de Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC), que surgem inscritas no preâmbulo do Decreto Regulamentar n.º 7/2013 de 23 de outubro do MEC.
1 «1 - Ao IAVE, I.P., compete coordenar o processo de elaboracão e validacão da prova. 2 - No ambito do disposto do número anterior inclui-se, designadamente, a elaboracão das matrizes, dos enunciados e dos respetivos critérios de classificacão, bem como a selecão dos professores classificadores», Art. 10.º (pontos 1 e 2) do Decreto Regulamentar n.º 7/2013 de 23 de outubro do Ministério da Educação e Ciência, Diário da República, 1.ª série — N.º 205 — 23 de outubro de 2013, p. 6213.
2 Cf. Diário da República, 2.ª série — N.º 173 — 9 de setembro de 2013, p. 28249.
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2 A saber:
comprovar a existência de requisitos mínimos de conhecimentos e capacidades transversais à lecionacão de qualquer disciplina, área disciplinar ou nível de ensino, como a leitura e a escrita, o raciocínio lógico e crítico ou a resolucão de problemas em domínios não disciplinares, bem como o domínio dos conhecimentos e capacidades específicos essenciais para a docência em cada grupo de recrutamento e nível de ensino.
[...]que a prova seja generalizada a todos os que pretendam candidatar-se ao exercício de funcões docentes [...] com perspetivas de integracão na carreira.
[...]valorizar a escola pública e a qualidade do ensino aí ministrado, cientes de que os conhecimentos e capacidades evidenciados pelos professores constituem uma variável decisiva na qualidade da aprendizagem dos alunos.3
Contudo, e antes de entrar na análise do tipo de prova efetivamente implementada, entendemos que é necessário alertar para alguns aspetos do diploma legal que nos parecem necessitar de ser alvo de reflexão.
1. O Decreto Regulamentar é contraditório. Afirma que «A informação que se pode obter com a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades considera-se complementar relativamente à que é possível comprovar através dos demais processos de avaliação vigentes, seja no âmbito da formação inicial desenvolvida nas instituições de ensino superior para tal habilitadas, seja no âmbito da avaliação a realizar ou já realizada em pleno exercício de funções». No entanto, a prova reveste um caráter decisivo, ao assumir-se como uma avaliação de proficiência, como referido nos critérios estipulados nas matrizes publicadas pelo IAVE, generalizada a todos aqueles que pretendam integrar a carreira docente, pois quem não superar a PACC não poderá ser integrado.
2. O Decreto Regulamentar é inconsistente em dois aspetos:
a. Nas finalidades gerais, declara-se que a PACC deve avaliar conhecimentos e capacidades transversais e específicas, mas não esclarece no articulado do decreto, nem em posteriores diplomas, as particularidades da avaliação dos domínios específicos, no qual estão incluídas competências pedagógicas e
3 Cf. Decreto Regulamentar n.º 7/2013, sublinhados nossos.
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didáticas exclusivas de cada grupo de docência (escritas, orais, estratégicas e procedimentais), ao ponto de colocar a avaliação dos domínios específicos numa categoria opcional, como se pode verificar nos artigos 3.º e 8.º4 e como o próprio IAVE referia na “Nota Introdutória” que acompanhava a divulgação de resultados da PACC, em 4 de agosto de 2014:
Como nota prévia, convirá realçar que a PACC não visa substituir o valor probatório da formação inicial dos candidatos, não visa avaliar conhecimentos específicos no domínio pedagógico nem compete, de um ponto de vista dos resultados que apresenta, com quaisquer outros mecanismos de formação e avaliação dos candidatos eventualmente desenvolvidos ou a desenvolver em contexto profissional.
Como expresso na legislação que enquadra a PACC, a sua componente comum visa avaliar a capacidade para mobilizar o raciocínio lógico e crítico, bem como a preparação para resolver problemas em domínios não disciplinares. Neste contexto, está implícita a capacidade para consultar e interpretar informação disponibilizada em diferentes suportes, textos, tabelas, gráficos, entre outros, considerando-se ainda como essencial avaliar a capacidade, transversal a todos os grupos de docência, de comunicar corretamente em língua portuguesa.
b. Esta prova não se integra em nenhum projeto global de qualificação, quer dos vários intervenientes do sistema educativo com impacto nas aprendizagens dos alunos, quer da competência docente, como afirma o diploma legal quando declara que a PACC pretende «valorizar a escola pública e a qualidade do ensino». O modelo de prova dado a conhecer  “teste de papel e lápis”  tem sido reiteradamente rejeitado pela
4 Art. 3.º: «1 - A prova visa verificar o domínio de conhecimentos e capacidades fundamentais para o exercício da função docente. [...] 3 - A prova pode ainda integrar uma componente específica relativa ao nível de ensino, área disciplinar ou grupo de recrutamento dos candidatos, conforme Diário da República, 1.ª série—N.º 205—23 de outubro de 2013, consta do anexo I ao presente decreto regulamentar e que dele faz parte integrante». Art. 8.º: «[...] 3 - A classificação da prova e das respetivas componentes pode ainda assumir uma expressão quantitativa, que é a da sua componente comum, quando apenas haja lugar à realizacão desta, e a média das componentes comum e específica, em cada caso, quando haja lugar à realizacão das duas. 4 - Considera-se aprovado o candidato que obtenha a mencão de Aprovado na componente comum e na(s) componente(s) específica(s), para cada grupo de recrutamento, quando haja lugar à sua realizacão [...]». Os destacados são nossos.
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investigação em educação, pelo facto de ser totalmente descontextualizado da ação docente. Em nenhum momento a PACC avalia aquilo que é essencial: a competência dos professores candidatos para esta função. De acordo com o modelo dado a conhecer, a prova limita-se apenas a avaliar a competência escrita, a capacidade dos candidatos de se expressarem em relação a conhecimentos sobre determinado assunto/tema, e de solucionar alguns problemas básicos do raciocínio lógico. Como foi apontado nas análises a que foi submetida aquando da sua realização, esta prova poderia ser realizada por qualquer profissional, de qualquer área, com formação superior ou até secundária, algo que, evidentemente, jamais os tornaria aptos para a docência. Uma prova com estas caraterísticas não avalia, pois, as competências que deve reunir e mobilizar um bom professor, seja naquilo que é transversal à ação docente, seja em cada uma das áreas de especialidade atualmente existentes. Determinar a competência para uma dada função através de uma prova, com apenas um momento de avaliação de duas horas, pode até ser considerado, no melhor dos casos, uma forma urgente de clivagem, mas jamais uma avaliação válida e consistente. Neste caso particular, o método escolhido aumenta a gravidade da escolha, pois esta prova foi criada com o intuito de permitir aos candidatos continuarem a ser isso mesmo: candidatos a professores.
Perante este enquadramento, e se a finalidade da PACC é «verificar o domínio de competências fundamentais para o exercício da função docente»5, o Conselho Científico considera que esta prova carece de alguns requisitos que deve reunir uma avaliação credível – a validade e autenticidade. Por outro lado, o objetivo que conduz à realização da PACC é redundante e a sua exequibilidade com a qualidade desejável é questionável.
1. Validade e autenticidade
1.1. A PACC implementada em 2014 carece de validade6 e autenticidade. Nela pretende-se testar a idoneidade dos docentes mediante um teste “de papel e
5 Cf. Ibidem, Art. 3.º, ponto 1.
6 «É possível considerar que o procedimento de um teste ou de uma avaliação é valido se puder ser demonstrado que aquilo que é efectivamente avaliado, o constructo, é aquilo que, no contexto dado, deve ser avaliado e se a informação recolhida der uma representação exacta da proficiência
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lápis” sobre conteúdos genéricos em língua portuguesa e em raciocínio lógico e outra  ainda por concretizar7  sobre conteúdos específicos de cada área de especialização, através de itens de resposta fechada (escolha múltipla) que possam ser corrigidos mecanicamente. Este tipo de provas ignora aquilo que é essencial na acção docente: mobilizar em contexto os saberes, competências e estratégias de modo eficaz, para cumprir com as suas funções, nomeadamente toda a componente didática e pedagógica. Um bom professor, além de ter um conhecimento profundo sobre a sua área de saber, deve possuir a capacidade de transmitir esse saber e de fazer os alunos aprender.
1.2. Sendo a componente didático-pedagógica e procedimental parte essencial dos atuais planos de estudo nos mestrados em vigor, a prova apresentada não avalia de forma objetiva e efetiva as aprendizagens adquiridas pelos examinandos.
1.3. Estas divergências entre os saberes que deve demonstrar o examinando  futuro docente ou um docente já com experiência e até já previamente avaliado no âmbito do seu desempenho  e aqueles que, efetivamente, realizou ao longo da sua formação e que deverá pôr em prática na sua profissão, leva-nos a concluir que esta prova, nos moldes apresentados, carece de validade. Qualquer processo de avaliação de professores, seja qual for o objetivo que se tenha (entrada na carreira, progressão na carreira, entre outros), jamais poderá ser implementado fora do contexto da docência e das competências que lhes estão subjacentes, sob o risco de estas nunca serem o foco principal e, portanto, de nunca serem avaliadas.
2. Redundância e exequibilidade
2.1. De acordo com o Estatuto da Carreira Docente, o ingresso na carreira faz-se mediante concurso para esse efeito, no qual o professor, para além de ser detentor dos requisitos académicos e profissionais necessários deve, cumulativamente, ter aprovação no final de um período probatório de um ano.
do(s) candidato(s) em questão». In Conselho da Europa (2001). Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas – Aprendizagem, Ensino, Avaliação (tradução portuguesa de Common European Framework of Reference for Languages: Learning, Teaching, Assessment). Porto: Edições ASA, p. 243.
7 O Despacho n.º 14052-A/2014 e o Aviso n.º 12960-A/2014 do Ministério da Educação vieram recentemente, colmatar a carência absoluta de informação sobre esta parte da avaliação.
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A adoção de uma prova de avaliação de conhecimentos e competências entre essas duas etapas (formação superior e período probatório) parece-nos pouco fundamentada, a menos que, conforme acima referido, a entidade empregadora  o MEC  duvide da qualidade ou do rigor das instituições de ensino superior que tutela.
2.2. A implementar-se uma PACC nos moldes que deverão sustentar uma adequada avaliação da competência de candidatos para a docência, é absolutamente necessário garantir uma logística que reúne recursos decisivos (materiais, humanos e temporais) tecnicamente qualificados para o efeito e com condições para o fazer.
2.3. A adoção desta PACC deixa entrever algumas dúvidas por parte dos gestores do ensino público sobre a formação inicial oferecida pelos estabelecimentos de ensino superior, bem como os resultados da mesma. Nesse sentido, consideramos que seria menos dispendioso e logisticamente menos complexo incidir sobre a origem do problema, isto é, ativando os mecanismos que a administração educativa possui para controlar e assegurar a qualidade dos planos de estudo e do corpo docente dos atuais mestrados em ensino, nomeadamente monitorizar de perto os processos de formação inicial e pugnar por critérios de exigência e qualidade para a certificação produzida.
Considerações Finais
O Conselho Científico considera que nenhuma avaliação pontual, realizada através de uma prova escrita “de papel e lápis” com a duração de duas horas, é efetivamente válida e fiável se não for integrada numa estratégia global e contínua de formação e avaliação. Assim sendo, a PACD afigura-se-nos como uma iniciativa isolada, cujo propósito mais evidente parece ser o impedimento ou obstaculizar o acesso à carreira docente. Receamos, ainda, que um processo de avaliação desta natureza possa ter um impacto perverso nos planos de estudo oferecidos pelas instituições de ensino superior. A implementação de uma prova com estas características provocará, inevitavelmente, uma maior atenção daquelas instituições aos conteúdos e tipologia de atividades que serão objeto de avaliação pela mesma. Uma vez que esta prova testa de forma tão incompleta
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as competências dos futuros docentes, pelo que o efeito previsível será, também, um empobrecimento geral da formação em que se suportam os atuais mestrados em ensino.
Pelo exposto, o Conselho Científico do IAVE manifesta que este modelo de PACD/PACC não assegura os objetivos que devem nortear uma avaliação adequada e eficaz do corpo docente a que se destina.
Novembro/2014
Documento elaborado pelos seguintes membros da comissão do Conselho Científico nomeada para o efeito:
Cristina Bastos - APPI
Fernanda Ledesma – ANPRI
João Lourenço – CNAPEF
J. León Acosta – APPELE








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