quarta-feira, 11 de setembro de 2013

CHOVE EM SANTIAGO...

 
Hoje, 11 de Setembro, em todo o mundo recorda-se o atentado contra as Torres Gémeas de Nova Iorque.
Porém, há 40 anos, a 11 de Setembro de 1973, a democracia chilena sofreu um gravíssimo atentado.
O presidente Salvador Allende, um dos fundadores do Partido Socialista Chileno em 1933, tinha sido eleito presidente do Chile em 1970, com 36,2% dos votos, tendo a eleição sido confirmada no Congresso, ainda em estado de choque depois do assassinato do chefe do estado maior do exército, general René Schneider, por parte de brigadas neo-fascistas do grupo para-militar Patria Y Libertad.
Seria substituído por Carlos Prats.
Apoiado pelos PS e PC chilenos, no movimento Unidade Popular, Allende, democrata convicto, tentou prosseguir a "via chilena para o socialismo", com respeito pelas instituições vigentes.
Na altura, 1970, o Chile (desde 1925), a Colômbia e a Venezuela eram as únicas nações democráticas da América do Sul, rodeadas de ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos.
Na altura, também, vivia-se o ambiente da Guerra Fria entre as superpotências. Atolados na guerra do Vietnam, a última coisa que os EUA se podiam permitir era uma nova Cuba ao pé da porta.
Desde a vitória de Allende que o seu regime, e toda a economia chilena foram alvo de ataques sistemáticos, designadamente após um programa de nacionalizações que, entre outras, atingiu a poderosa multinacional ITT, que passou a pressionar fortemente o governo de Richard Nixon para derrubar Allende. O que sempre foi intenção deste, convirá acrescentar, já que até tentou impedir a tomada de posse, precisamente com o assassínio de René Schneider...
Directamente, ou através da CIA ou da cumplicidade da ditadura militar brasileira, e de acordo com o esquema montado (Projecto Fubelt-Track II), foram injectados milhões de dólares no Patria Y Libertad, no jornal oposicionista Mercurio, em associações patronais, e nas forças armadas.
Por outro lado, interromperam-se os fornecimentos de bens de primeira necessidade e boicotou-se a exportação do mais importante produto chileno, o cobre.
Não obstante, nas eleições municipais de 1971, o apoio à Unidade Popular passou para 49%.
Porém, o cerco era demasiado poderoso, agravado pela irresponsabilidade do movimento de esquerda revolucionária (MIR) que respondia com violência gratuita à gratuita violência da extrema direita.
O acelerar da inflação (381% em 1973), do desemprego, a desestabilização nas ruas e quartéis, fazia adivinhar o pior.
O general Carlos Prats por várias vezes pediu a Allende a instauração do estado de sítio. Fiel aos princípios democráticos, este sempre o recusou. Carlos Prats foi forçado à demissão, sendo substituído por Augusto Pinochet, que jurou fidelidade ao presidente (!).
Carlos Prats seria assassinado pela CIA, em 1974 em Buenos Aires, em pleno exílio.
Por fim, a 11 de Setembro de 1973, um golpe de estado conduzido pelas forças armadas, e cuja senha era "Chove em Santiago e na Ilha de Páscoa", derrubou Allende, que morreu no palácio presidencial de La Moneda, defendendo a legalidade democrática.
Na sua alocução final, pela rádio, diria, a concluir, dirigindo-se aos chilenos:
"Sigam vós todos, sabendo que, muito mais cedo do que tarde, se abrirão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor".
Desde essa data, até 1990, o Chile seria governado por uma Junta Militar presidida por Pinochet.
Na sua esteira, 3.200 mortos, 30.000 torturados, centenas de desaparecidos, obras literárias vandalizadas e queimadas, instauração do estado de sítio, prisões arbitrárias, censura, sistemáticas violações dos direitos humanos.
E a economia brutalmente alvo do experimentalismo neo-liberal da chamada "Escola de Chicago", cujo vulto mais conhecido era Milton Friedman. Muito cuidado com estes "cérebros" troikados!
O "resgate" ou "requalificação" do Chile foi doloroso e sangrento, agravando, de forma radical, as assimetrias sociais. Para bom entendedor, meia palavra basta.
Pablo Neruda, o grande poeta chileno, prémio Nobel da Literatura de 1971, já muito doente, faleceria numa clínica de Santiago do Chile a 23 de Setembro.
Oficialmente, a sua morte foi atribuída a cancro havendo, no entanto, suspeitas de que teria sido assassinado. Mas o 11 de Setembro matou-o de desgosto. Como já prenunciava
XXXVIII. Yo no me callo

Perdone el ciudadano esperanzado
mi recuento de acciones miserables
que levantan los hombres del pasado.
 Yo predico un amor inexorable.
Y no me importa perro ni persona:
sólo el pueblo es en mí considerable:
sólo la Patria a mí me condiciona.
Pueblo y Patria manejan mi cuidado:
Patria y pueblo destinan mis deberes
y si logran matar lo levantado
por el pueblo, es mi Patria la que muere.
Es ése mi temor y mi agonía.
Por eso en el combate nadie espere
que se quede sin voz mi poesía. 

O funeral de Neruda realizou-se a 25 de Setembro, num ambiente de chumbo. Mesmo assim, houve quem tivesse coragem de invocar Allende e Neruda.
E gritar "Pueblo de Chile: Presente!".
E, apesar das feridas, a História cumpriu-se e o Chile renasceu. Tentando construir as alamedas de Allende.

   

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