quarta-feira, 22 de abril de 2015

ABRIL EM ABRIL - II - ELEIÇÕES

 
Eu Sou Português Aqui

Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do sangue
que empapa a terra que piso.

Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.

    (José Fanha)
 
Para os incautos, para os que não ligam muito a estas coisas, mesmo para os amnésicos selectivos, até para os "patriotas" de pacotilha, saudosos do tempo da outra senhora, recorda-se que, antes do 25 de Abril, havia uma coisa chamada "eleições", para uma outra coisa que dava pelo nome pomposo de Assembleia Nacional.
Eleições onde não havia campanha eleitoral.
Eleições onde os candidatos da oposição eram espancados pela polícia e presos pela PIDE. 
Eleições onde só podiam votar os maiores de 21 anos, bons chefes de família.
Eleições onde asa mulheres ficavam na cozinha ou a coser meias.
Eleições onde, em 1973, havia pouco mais de 1.800.000 recenseados.
Eleições que nada decidiam, onde os resultados já restavam fixados antes de serem conhecidos.
Eleições num país adiado, isolado, pobre.
Quarenta anos depois, o número de recenseados atinge (2011) mais de 9.600.000 portugueses.
Onde a liberdade de discutir, propor, polemizar, votar, é plena.
Para que se não esqueça que tal só é possível porque aconteceu um dia 25 de Abril.
E, caso o zombie de Belém não venha a sofrer uma das suas habituais diarreias mentais, em Outubro deste ano teremos, de novo, eleições legislativas para a Assembleia da República.
Cruciais, porque podem permitir que a cambada de rapazolas incompetentes e irresponsáveis que nos (des)governa seja corrida.
Mas para tal, necessário se orna que a Oposição não se distraia com presumíveis candidatos ou candidatozinhos a presidentes. Isso é o jogo da direita e dos pasquins e comentadores que a acolita.
A prioridade é, só, Outubro.
E tomar a iniciativa, e não ir a reboque da agenda de Passos & Portas.
Lançar propostas e defendê-las com coerência.
Não marcar à zona, mas homem a homem.
Meter o futebol na gaveta.
Arregaçar mangas, como no rugby.
Dominar o território, conquistar terreno, não deixar respirar o Governo.
Em caso contrário, não passaremos de guerras do alecrim e manjerona.
E jogos florais.
Este povo exangue merece muito mais. 

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