domingo, 24 de fevereiro de 2013

CINEMA PARAÍSO

Hoje é dia de oscares. A festa do costume, as surpresas (?) de sempre, os filmes que ficam, e os que são rodapé apenas.
Este escriba de serviço, vai referir-se, muito sucintamente, a três filmes, praticamente esquecidos pela estatueta dourada, mas que, na feliz expressão do sempre lembrado João Bénard da Costa, fazem parte do leque dos "filmes da minha vida", e que irão ser apresentados por ordem cronológica..
Sobre os mesmos, dados mais completos poderão ser consultados nos locais habituais (Wikipédia, IMDB, etc.).

"2001 ODISSEIA NO ESPAÇO" - 1968 - realizado por Stanley Kubrick 

2001 ultrapassa o mero conceito do filme. Do início ao fim é um exercício conceptual sobre a mente humana, e os limites, e as ambições da mesma.
Na primeira parte, digamo-lo assim, assistimos a dois grupos de hominídeos lutando por um charco de água.
Pela observação prática (aquisição cognitiva através do movimento), um dos hominídeos transforma um osso numa ferramenta, neste caso uma arma. Ferramenta que é prolongamento do cérebro, mais do que de mão. Subjacente a este desenvolvimento, está o aparecimento de um monolito negro, que é transversal a todo o filme, e cujo significado é perceptível. Comparemos com uma ardósia negra, onde começamos a desenhar as primeiras letras, os primeiros números. A ardósia/monolito, convida ao desenvolvimento do conhecimento, à vontade ir mais além.  No final deste capítulo, o osso-ferramenta transforma-se, em feliz raccord, em nave espacial-ferramenta. Assinalem-se os notáveis actores que vestiram as peles de hominídeos, e a que não serão alheias as teses de, por exemplo, Desmond Morris (O Macaco Nu, 1967).
No capítulo seguinte, os astronautas investigam, na Lua, uma fonte de energia, apontada a Júpiter, de origem desconhecida. Ao localizar tal fonte, depara-se-lhes outro monolito negro. A reacção do homem do século XXI - espanto, receio, curiosidade, tacto indeciso-, é em tudo idêntica à do hominídeo de 4 milhões de anos antes. O animal ainda existe, felizmente.
Para apurar o que se passaria em Júpiter, suposta origem das lajes negras, é enviada uma equipa de astronautas, numa nave conduzida por um supercomputador, Hal9000, que "nunca se engana e raramente tem dúvidas". Uma espécie de inteligência artificial, que programa e organiza a vida dos humanos (é curioso referir que, 30 anos depois, Kubrick voltaria ao tema com "AI-Artificial Intelligence", de 2001, concluído por Steven Spielberg após a morte daquele). Suspeitando que os humanos poderiam sabotar os superiores "interesses" da missão, e numa reacção tipicamente humana, Hal elimina os astronautas, à excepção de um (Dave), que, para poder prosseguir a tarefa, se vê obrigado a desligar o computador. E é uma frase deste, ao sentir esvair-se, num sentimento tipicamente humano - o MEDO- que se torna, num filme com o mínimo de diálogos, uma das grandes frases do Cinema : "Dave, I´m afraid!".
No último capítulo, para o qual contribuíram sugestões do reputado cientista Carl Sagan, designadamente quanto à possibilidade de existência de inteligência artificial, incorpórea, apenas energia, Dave penetra na atmosfera de Júpiter, e tudo se transforma, numa torção de espaço-tempo, em luzes, clarões, sombras, paragens, acelerações, esgares de espanto, de medo, culminando num sossegado ambiente requintado onde Dave se vê envelhecer, senilizar, digamos assim, e jazer deitado no seu leito morte. E é nesse momento que, sobre uma laje negra, num esplendor de luz, se vê um bébé, quase ainda feto, a iluminar-nos, a sorrir-nos, e a flutuar entre as estrelas e o planeta, o cosmos, e mais adiante..
Fica-nos, depois destas arrebatadoras 2 horas de verdadeiro cinema, a sensação de que podemos ir sempre mais além, de que algo nos puxa e impele sempre a nos aventurarmos a conhecer o desconhecido.
E de que o nosso pequeno cérebro é mais potente (perigoso?), que qualquer máquina sofisticada.
Quase ignorado na altura, anos mais tarde esta obra-prima seria vista com outros olhos (acrescente-se, que saudades do ecran gigante do Monumental), considerada um monumento ao homem e catalogada como património cultural dos Estados Unidos. Da Humanidade, desejar-se-ia.
Recomenda-se, sobre este filme, a leitura de 2 crónicas de Lauro António, que fazem parte do livro "O cinema entre nós", Publicações Dom Quixote, 1969.
Juntam-se a trailer do filme e um "Danúbio Azul" espacial, para aguçar o apetite.
Ah, é verdade, ganhou o Oscar de 1969 para Melhores Efeitos Visuais.

        





"CLUBE DOS POETAS MORTOS" - 1989 - realizado por Peter Weir

Este NÃO é SÓ um filme sobre escola, alunos, professor. É muito mais, substancialmente mais, sem, também, deixar de o ser.
A escola, é uma escola tradicionalista, da Nova Inglaterra (EUA), destinada a produzir futuros lideres, robotizados, adestrados num ensino sebentizado, repetitivo, conservador, na tradição da salvaguarda dos "pilares", da instituição: tradição, honra, disciplina, excelência-
Onde os pais depositavam os filhos para que estes fossem aquilo que eles nunca conseguiram - advogados, médicos, engenheiros, lideres. Mais uma vez, os jovens aguentavam as frustrações alheias.
É a este ambiente castrador da inteligência e da criatividade que, um dia, chega um novo professor de literatura, John Keating (brilhantíssimo Robin Williams).
Na sua primeira aula, em vez de brutais dissertações sobre velhos manuais bolorentos, Keating convoca os alunos para o o corredor, onde estão dependuradas as fotografias dos antigos estudantes, pedindo-lhes para os fixarem bem e, ao contrário daqueles, aproveitarem o dia, todos os dias, ao contrário do que sucedera com aqueles tristes dependurados. Em latim, Carpe diem.
Aproveitar o dia, todos os dias, todos os pedaços da vida, sugá-la até ao tutano, criar, questionar, inventar, pensar pela própria cabeça, ao contrário do que era a tradição da escola. Rasgar sebentas, que mediam a poesia a regra e esquadro, como se a arte e a cultura fossem mensuráveis. Estimular o gosto pelo debate, pela originalidade, pela leitura, pela satisfação da mente e do corpo. Não quer ser advogado? Pode ser escritor.Não quer ser engenheiro? Pode ser pintor. Não quer ser médico? Pode ser actor.
Este espírito aberto entra em conflito com os convencionalismos e com os pais dos alunos.
Um deles (Neil), suicida-se. O pai queria que fosse o médico que ele não conseguiu ser, o jovem queria ser actor, incentivado por Keating. E é este que se transforma no bode expiatório da tragédia. Quando os assassinos foram as convenções, as frustrações, a vida certinha (paradigmática a cena, na noite do suicídio, em que o pai de Neil arruma, muito certinhos, muito milimétricos, os chinelos de quarto).
Keating é expulso da escola, alguns alunos castigados, a rebelião estava debelada.
No entanto, ela move-se... Aqueles alunos não seriam os mesmos, não fariam só porque assim, não escreveriam só porque assado, Decidiriam, escolheriam, pela própria cabeça. Poriam em causa dogmas que não aceitavam. Aproveitariam a vida, e todos os segundos dela. Carpe diem...
Este o grande legado do filme, brilhante exercício sobre a liberdade de  pensar e de escolher. E sobre um professor que ensina a participar na vida, em todas as vertentes, incluindo a cultural, e alunos que aprendem, participando, a viver essa vida. E a provar que tradição, honra, disciplina e excelência é vivermos o melhor todos os dias e ser felizes e cheios de "tutano da vida". Sugado até ao último bocado e último sopro.
Foi o último ou um dos últimos filmes a ser exibido no cinema Apolo 70, inaugurado a 26/05/1971, e cuja programação foi confiada a uma das pessoas a quem o cinema e a cultura em Portugal mais devem: Lauro António. 
Junta-se parte da banda sonora, da autoria do celebrado Maurice Jarre.
O filme ganhou, em 1990, um Oscar: Melhor Argumento Original
   



"BIG FISH" - 2003- realizado por Tim Burton

Tim Burton é um dos mais aclamados realizadores dos nossos tempos. Desde o cinema dito fantástico (Eduardo Mãos de Tesoura), ao cinema "negro" (Batman, o primeiro filme da série), à comédia (Marte Ataca), até à biografia (Ed Wood).
Quando Big Fish foi exibido, não foi muito bem aceite, nem totalmente compreendido.
Tem de se raspar a superfície.
Pensem na relação entre um pai, já em fase terminal da vida, que contava as mais mirabolantes histórias que teria vivido (fascinante Albert Finney, em velho, e convincente Ewan McGregor, aquando jovem), e um filho, racional, escritor, que olhava de soslaio para aquilo tudo, vivendo longe do pai, e convencido de que tais sucessos não passavam de patranhas.
O diálogo entre os dois é difícil, olham-se de soslaio. Questionam as histórias, e o modo de as contar.
Aos poucos o gelo vai-se quebrando. O escritor quer acreditar no que lhe diz o contador de histórias, até porque, como este muito bem diz, "Escreves as histórias que eu conto"-
E conta sobre a sua terra natal, sobre o seu primeiro e grande amor, sobre um gigante, sobre uma habitante isolada transformada em bruxa, sobre um negociante falhado que, confiado nos seus bons conselhos, triunfou na vida, sobre um circo com palhaços, mestre de cerimónias, animais, anões, mulheres, colossos, sobre gémeas siamesas coreanas.
Tudo fantasia. Tudo...? No dia do funeral do pai, todas essas personagens aparecem, são reais, estão lá todas. Ele, de facto, poderia muito bem escrever as histórias que o pai contava. O vínculo perene entre a tradição oral e a tradição escrita
E é assim que teria imaginado o funeral, transportando o pai nos braços, com todas e todos à sua volta, e mergulhando-o suavemente na água, na água de onde todos vimos, permitindo-lhe nadar, como um grande peixe, sem obstáculos, sabe-se lá para onde, para onde a criatividade e a vida o levassem.
Notável exercício sobre a imaginação, a persistência, a curiosidade, e sobre o amor de pai para filho, e vice versa, esta comovente obra de Tim Burton, vista e "lida" até à medula é uma das grandes obras primas do cinema que amamos.
Claro, não ganhou nenhum Oscar, tendo apenas recebido nomeação para melhor música original (Danny Elfman).
Segue-se, não a música de Elfman, mas "The man on the hour", magnífica balada escrita para o filme por Eddie Vedder e interpretada pelos Pearl Jam.
E apreciem os bons filmes, mesmo sem qualquer Oscar.
    

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