quinta-feira, 19 de junho de 2014

CHICO BUARQUE : TANTO MAR...

 
Caro Chico,
Parabéns pelos teus 70 anos.
Tímido como és, não deves gostar de muitas celebrações, talvez estejas retirado, em Paris, quem sabe se à sombra de um copo de cachaça bem brasileira que te tenham oferecido.
Por falar em retiro, contam as histórias que Elis Regina, cansada da tua timidez, não teve paciência e não gravou as tuas primeiras obras. Corria o ano de 1965 e ela tinha vencido o 1º. Festival da Música Popular Brasileira com "Arrastão" de Edu Lobo e Vinicius de Moraes.
Só que tu, puto metido às músicas, com experiência de Brasil e Itália (atrás do teu pai, diplomata), no ano seguinte com uma música que parece simples, trivial mas que, ouvindo bem, revela o teu génio: "A Banda"
Neste teu dia de aniversário, como sabes, está a decorrer no teu Brasil o Campeonato do Mundo do Futebol, com aqueles gangs da FIFA, UEFA, etc., acolitados por cães de fila como o triste Edson Arantes do Nascimento, de seu nome Pélé, a vendem a imagem de que a tua Pátria é só samba e futebol.
Já viste isto, Chico, tu que sempre combateste a censura, a ditadura militar, os grupos armados de esbirros que invadiam teatros, salas de espectáculos, espancando, prendendo, matando.
E nesses anos de chumbo cantavas a liberdade e a dignidade dos brasileiros.
("Pedro Pedreiro")
("Construção")

Felizmente para o Brasil, e para todos nós, o Brasil é muito mais, muitpo maior, muito povo.
E para esse povo não te limitaste a compor e a cantar. Cantaste o que produzias, e davas a cantar a colegas como Elis Regina, Nara Leão, Elba Ramalho, Simone, Gal Costa, Milton Nascimento ou Ney Matogrosso. E cantaste Tom Jobim, Vinicius, Caetano Veloso, Edu Lobo, entre muitos outros.
Do teu Brasil Brasileiro.
Mas não te ficaste pela música, jovem setentão. Compuseste para filmes e peças de teatro, foste actor.
Referir apenas, entre tantos trabalhos "Quando o Carnaval Chegar" (filme de Carlos Diegues), "Roda Viva", peça que escreveste e que fizeram o favor de proibir, assim como "Calabar", "Gota de Água", ou a famosa "Ópera do Malandro", em que revisitaste John Gay ("Beggar's Opera") e Bertolt Brecht ("A Ópera dos Três Vinténs").
("Geni e o Zepelim" da  "Ópera do Malandro")

Não satisfeito, puto irrequieto de 70 anos, também abraçaste o romance, tendo ganho por 3 vezes o Prémio Jabuti, o mais prestigiado galardão literário do Brasil: 1992 com "Estorvo", 2004 com "Budapeste" e 2010 - polémico - com "Leite Derramado". Um prémio que já havia distinguido Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Erico Veríssimo.
És a "unanimidade nacional", como bem escreveu Millôr Fernandes.
O Brasil precisa de gente como tu, velhote!
Até de pedaços de ternura.
("Valsinha", com poema de Vinicius de Moraes)

E não desesperes, porque depois da "festa" do pontapé na bola, és necessário para dar outra ou outras festas, mas a serio, ao teu povo: a festa da saúde, a festa da educação, a festa do desenvolvimento, a festa da habitação, a festa dos índios, a festa de todas as etnias, a festa brasileira.
E não há assim tanto mar a separar-nos.
Manda-nos um cheirinho de festa, para esta apagada e vil tristeza.

 
   

Sem comentários:

Enviar um comentário