António Emílio Leite Couto, biólogo, professor de ecologia na Universidade Eduardo Mondlane, nasceu na Beira, Moçambique, a 5 de Julho de 1955.
O mundo conhece-o como Mia Couto. "Mia" porque o seu irmão não era capaz de pronunciar o seu nome, e porque o António Emílio tem, desde sempre, uma grande paixão por gatos.
Mia Couto é, actualmente, um dos grandes escritores em Língua Portuguesa, Prémio Camões de 2013, entre outros que recebeu, todos merecidos.
Pegou na ferramenta nascida aqui junto ao Atlântico, levou-a, apertada ao coração, para o Índico, enriqueceu-a com os dialectos locais, juntou a atmosfera única de África, as memórias dolorosas da guerra colonial e da guerra civil, deu voz aos que estavam acorrentados e com medo, e deu-nos uma das mais brilhantes criações literárias do nosso tempo.
Romancista, contista, poeta, cronista, o seu primeiro romance, "Terra Sonâmbula", de 1992, foi considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX.
Na realidade, eu já desistira de escutar. Pensava sobre as
semelhanças entre mim e Farida. Entendia o que me unia àquela mulher:
nós dois estávamos divididos entre dois mundos. A nossa memória se
povoava de fantasmas da nossa aldeia. Esses fantasmas nos falavam em
nossas línguas indígenas. Mas nós já só sabíamos sonhar em português. E
já não havia aldeias no desenho do nosso futuro. Culpa da Missão, culpa
do pastor Afonso, de Virgínia, de Surendra. E, sobretudo, culpa nossa.
Ambos queríamos partir. Ela queria sair para um novo mundo, eu queria
desembarcar numa outra vida. Farida queria sair de África, eu queria
encontrar um outro continente dentro de África. Mas uma diferença nos
marcava: eu não tinha a força que ela ainda guardava. Não seria nunca
capaz de me retirar, virar costas. Eu tinha a doença da baleia que morre
na praia, com os olhos postos no mar."
(excerto de "Terra Sonâmbula")
(excerto de "Terra Sonâmbula")
A sua primeira obra, de 1983 é, no entanto, um livro de poemas, "Raiz de Orvalho".
No entanto, seria fundamentalmente através do romance que Mia Couto construiu a sua grande obra, a sua visão africana escrita em português.
O conjunto dos seus escritos está, entre nós, editado pela Editorial Caminho, aguardando os seus fiéis leitores, para breve, um novo trabalho (o último romance data de 2012, "A Confissão da Leoa").
E já que começou por publicar poesia, é com um poema que se fecha este post, sugerindo-se, e recomendando-se, uma viagem ao mundo de Mia Couto.
"Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço "
no mundo por que luto nasço "
(de "Raiz de Orvalho")
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