Sábado, dia 15 de Março de 2014, Estádio Universitário de Lisboa, jogo Portugal-Espanha, da última jornada da Taça Europeia das Nações, vulgo 6 Nações B.
Portugal, ingloriamente, perde com a Espanha, o que não sucedia há 19 anos em solo nacional, por 24-28, depois de, já no início da segunda parte, estar a ganhar por 21-6.
Razões há,m e muitas, para explicar mais este insucesso, e, no fundo, a penosa campanha nesta Taça e o falhado apuramento para o Mundial de 2015.
No fim do jogo, quase envergonhadamente, o presidente da Federação Portuguesa de Rugby entregou placas comemorativas a dois jogadores que se despediam da Selecção: o capitão João Correia e António Aguilar. 81 e 83 internacionalizações, respectivamente. Aguilar, também, e ainda, recordista de ensaios marcados pelas cores nacionais, com o total de 23!.
Jogadores que integraram, em pleno, a inesquecível equipa dos Lobos que tanto dignificou o desporto nacional no Mundial de 2007, em França, e na epopeia que foi a respectiva qualificação, como o emotivo jogo em Montevideu, no play-off com o Uruguai.
João e António mereciam mais, muito mais, de pessoas que, junto deles, são meros figurantes. E pequeninos.
Homenagens fazem-se antes dos jogos. E com sentimentos de orgulho e gratidão.
Para todos verem. E aplaudirem.
Jogadores que, como António e João dedicaram a vida, e com sacrifícios que só eles sabem e conhecem, a esse desporto único, fraterno, leal, honesto, que é o rugby.
Que ensinaram o que é entrega, dedicação, competência, vontade, que sentiram a camisola que vestiam, que sabiam, e nos ensinam, que em tudo é indispensável, para triunfar, seriedade, abnegação, sacrifício, e não esperar recompensas.
Que tiraram do corpo, sabe-se lá com que dores, da carteira, sabe-se lá se não fazia falta, tudo para dar tudo aos companheiros, à equipa que sentiam dentro de si.
Que, regressados do Mundial de França, ao contrário de certos deuses de pés de barro, tinham de pagar o estacionamento do carro no parque para irem para casa (visto, e não se acreditou!).
Casa e família que, por vezes, não viam durante dias ou semanas.
Dias em que saíam do local de trabalho ou de estudo para treinar ou jogar. Sucessivamente, se fosse preciso.
João Correia e António Aguilar são exemplo de dignidade e trabalho, dignidade e trabalho que, espera-se, os seus sucessores saibam honrar.
João e António honraram a camisola dos Lobos.
Deste canto, e com humildade, apenas se pode dizer:
Obrigado por tudo, João Correia e António Aguilar!
(A eles, e aos Lobos de 2007, foi dedicado o texto seguinte, de 2009, publicado pela editora Qual Albatroz no livro "Celacanto - sobre o Lobo"):
"OS
LOBOS
Naqueles tempos, apesar de sabermos que todos os
tempos são um tempo só, nas penedias da Lusitânia, lá para os lados do Soajo, no Gerês, havia uma
famosa alcateia de 31 lobos ibéricos, comandados por um inteligentissimo macho
alfa, aqui convindo acrescentar que os lobos eram, e são, muito inteligentes, a
qual era exímia na conquista e defesa do
seu território, nas acções combinadas de ataque e recuo estratégico, e no
despiste dos adversários.
Com a argúcia, a esperteza, o comando,
a táctica do macho alfa, a fama da referida alcateia cedo ultrapassou o
território onde a mesma se confinava, para começar a ser conhecida noutras
paragens da Lusitânia e de toda a Ibéria, até porque, convém acrescentar, a
grande família daquela alcateia era e ainda é, o Lobo Ibérico, esse orgulho da
Península.
De facto, a organização, o
esforço, a dedicação, o empenho, o espírito de sacrifício de todos e de cada um
dos membros da alcateia para conseguirem o objectivo comum, ultrapassava o que muitos
poderiam esperar de uma simples alcateia de lobos. E quando, no início de cada
nova tarefa, uivavam em conjunto para fortalecer o espírito de grupo, o seu
lustroso e cinzento pêlo eriçava-se de emoção porque, é bem verdade, os lobos
têm emoções. Já alguma vez olharam, por detrás das grossas barras das nossas
actuais jaulas, o olhar triste de um lobo ?
Tão longe chegou a sua fama, que
outras alcateias a quiseram conhecer e, caso fosse ocasião para tal, medir a
sua força e inteligência, para a acolher no seio das grandes alcateias do mundo
conhecido de então, e que é igual ao nosso, só que na altura havia partes que
ainda eram desconhecidas.
Assim, a nossa alcateia rumou às
terras da Gália, onde se reuniam as grandes alcateias mundiais, para um
convívio que se celebrava de quatro em quatro anos, e para o qual, pela
primeira vez, aqueles 31 lobos estavam convidados.
Passaram montes, vales, frios,
calores, verões, invernos, e extenuados, mas contentes de terem chegado ao seu
objectivo, lá atingiram as planícies e montes gauleses.
A primeira alcateia com que
contactaram foi a dos pictos da Caledónia, a que hoje chamamos Escócia, lobos
maiores, mais fortes, de pêlo cinzento azulado, com madeixas ruivas, e que
sobre os lobos lusitanos, e após observarem as suas técnicas e combinações,
afirmaram, com sotaque tipicamente escocês, que erram dignos de ficarr entrre
as melhorres alcateias do mundo.
Depois, tiveram a honra, e o deleite
de ver em acção, com táctica e engenho superiores, a famosíssima alcateia dos
maoris, lobos negros e enormes, verdadeira máquina de organização e de
conquista e marcação de territórios, que, ao contrário dos uivos, iniciavam as
suas acções com uma espécie de dança guerreira. E foi com tal espírito, e com a
vontade de tudo conquistar, que um dia
rumaram ao sul e, por entre ventos e marés chegaram a umas ilhas a que
hoje chamamos Nova Zelândia.
Mas tal foi a sua admiração pela nossa
alcateia que até aceitaram jogar com ela um desporto lusitano muito popular que
consistia em empurrar à pata uma bola redonda.
A seguir conviveram com uma alcateia um
pouco desorganizada, trapalhona, mas com uma força e tácticas acima do que a
nossa alcateia ainda poderia almejar. Por muito pouco… Eram os lobos
transalpinos, dos montes Abruzzi, com uma especial predilecção por refeições de
massa, pasta, como eles uivavam. Foi mais um momento de aprendizagem, que as
forças já escasseavam e havia que pensar no regresso à Lusitânia.
Por fim, já estavam quase de abalada,
ainda travaram conhecimento com os lobos da Transilvânia, manhosos, um pouco
traiçoeiros, cuja força só se revelava no final de cada acção, à sucapa, dizia-se,
até com maledicência, que era só por causa de serem da terra do Senhor das
Trevas, o reputado Conde Drácula.
E chegou a hora da despedida. Orgulhosos
dos seus feitos. Aceites unanimemente pelas grandes alcateias do mundo, que, em conjunto,
diziam que estes lobos lusitanos passaram a fazer, por mérito próprio, parte do seu grande clã.
Chegados às penedias do Gerês, foi com
espanto e emoção que souberam que a sua fama, e os seus nomes já tinham
empolgado a Lusitânia e eram transmitidos de boca em boca e de ouvido em ouvido,
uivo após uivo.
Com efeito, desde os montes do Gerês, às serras do Alvão e Montesinho,
das fragas da Serra da Estrela às encostas do Alentejo e à Serra Algarvia, em
todos os poderosos maciços que as compunham, apareceram, como por magia, gravados
na pedra imperecível, os nomes desses inesquecíveis 31 lobos: Tomaz, o macho
alfa, os 3 Uva, os 2 Mateus, os 2 Pintos, o André, o Joaquim, o Murré, o
Spachuk, o Rui, o Figueiredo, o Correia, o Penalva, o Severín, o D’Orey, o
Coutinho, o Murinello, o Girão, o Pissarra, o Cabral, o Malheiro, o Gama, o
Frederico, o Portela, o Foro, o Carvalho, o Aguilar e o Leal, mais conhecido
por Pipoca.
Por isso, se hoje ouvirem um lobo a
uivar, ou olharem, olhos nos olhos, aqueles belissimos olhos amarelos, não
tenham medo dos lobos, que eles têm é medo de nós.
Acarinhem-nos, tratem bem os lobos, todos
e cada um.
Podem bem ser os descentes daqueles lobos
que foram o orgulho e a alegria da Lusitânia.
Luís Diogo – 20/06/2009
Sem comentários:
Enviar um comentário