Amanhã, dia 23/02, a Selecção Nacional de Rugby (Lobos), tem um jogo crucial, às 15 horas, no Estádio Universitário de Lisboa, contra a sua congénere da Bélgica, que é imperioso vencer, sob pena de, de uma vez por todas, de falhar a qualificação para o Mundial de 2015, a disputar em Inglaterra.
Não é demais referir as características únicas deste extraordinário desporto colectivo: solidário, sem vedetas, onde a entrega se faz do primeiro ao último minuto, generoso, onde se ajuda e entreajuda o colega do lado, onde a lealdade e a honestidade campeiam, onde o espírito de sacrifício e a abnegação são constantes.
E que transformam cada jogo, onde todos defendem e todos atacam, num espectáculo único para os sentidos.
Profissional desde 1995, o ano do Mundial na África do Sul (o Mundial de Mandela- veja-se o excelente filme de Clint Eastwood "Invictus"), o rugby, em Portugal, era tratado como parente pobre do desporto, jogo de universitários, quase indecifrável.
Com o HISTÓRICO apuramento para o Mundial de 2007, em França, onde foi a única selecção AMADORA a participar, feito único nos nossos anais desportivos, as coisas mudaram. O rugby saltou para as televisões, o número de praticantes quase duplicou, o jogo expandiu-se para cidades e vilas fora dos eixos tradicionais de Lisboa-Porto-Coimbra. Apostou-se na formação, no rugby feminino, na sua integração nas escolas.
O rugby começou a ser visto como sempre o fora, no fundo: o velho chavão "desporto de arruaceiros jogado por gentleman", ao contrário do futebol "desporto de gentleman jogado por arruaceiros", este com muito mais dinheiro e menos lealdade.
Portugal passou a ser parte do Planet Rugby, também na variante de Sevens.
O falhanço do apuramento para o Mundial de 2011 pode ter feito recuar a maré, acompanhado das difíceis condições económicas actuais. Mas não se pode esquecer que, no tal Planeta, deixámos, felizmente, de ser um ilustre desconhecido, uma curiosidade.
Assim, com entusiasmo, pela modalidade que amamos, demos força aos Lobos, que bem o merecem, ao contrário de certos milionários ídolos de pés de barro, e façamos rumo ao Mundial de 2015.
E, já agora, sem que acusem o signatário de puxar a brasa à sua sardinha: nenhuma equipa sente o hino tão profundamente como estes magníficos.
(Portugal-Itália, Mundial de 2007, Parque dos Príncipes, Paris)
Estes são os lobos que sempre nos
orgulharam, e a quem se dedicou o seguinte texto, publicado em 2010 na
colectânea "Celacanto nº.2", da editora Qual Albatroz, e dedicado à
preservação do lobo ibérico:
"OS
LOBOS
Naqueles tempos, apesar de sabermos que todos os
tempos são um tempo só, nas penedias da Lusitânia, lá para os lados do Soajo, no Gerês, havia uma
famosa alcateia de 31 lobos ibéricos, comandados por um inteligentissimo macho
alfa, aqui convindo acrescentar que os lobos eram, e são, muito inteligentes, a
qual era exímia na conquista e defesa do
seu território, nas acções combinadas de ataque e recuo estratégico, e no
despiste dos adversários.
Com a argúcia, a esperteza, o comando,
a táctica do macho alfa, a fama da referida alcateia cedo ultrapassou o
território onde a mesma se confinava, para começar a ser conhecida noutras
paragens da Lusitânia e de toda a Ibéria, até porque, convém acrescentar, a
grande família daquela alcateia era e ainda é, o Lobo Ibérico, esse orgulho da
Península.
De facto, a organização, o
esforço, a dedicação, o empenho, o espírito de sacrifício de todos e de cada um
dos membros da alcateia para conseguirem o objectivo comum, ultrapassava o que muitos
poderiam esperar de uma simples alcateia de lobos. E quando, no início de cada
nova tarefa, uivavam em conjunto para fortalecer o espírito de grupo, o seu
lustroso e cinzento pêlo eriçava-se de emoção porque, é bem verdade, os lobos
têm emoções. Já alguma vez olharam, por detrás das grossas barras das nossas
actuais jaulas, o olhar triste de um lobo ?
Tão longe chegou a sua fama, que
outras alcateias a quiseram conhecer e, caso fosse ocasião para tal, medir a
sua força e inteligência, para a acolher no seio das grandes alcateias do mundo
conhecido de então, e que é igual ao nosso, só que na altura havia partes que
ainda eram desconhecidas.
Assim, a nossa alcateia rumou às
terras da Gália, onde se reuniam as grandes alcateias mundiais, para um
convívio que se celebrava de quatro em quatro anos, e para o qual, pela
primeira vez, aqueles 31 lobos estavam convidados.
Passaram montes, vales, frios,
calores, verões, invernos, e extenuados, mas contentes de terem chegado ao seu
objectivo, lá atingiram as planícies e montes gauleses.
A primeira alcateia com que
contactaram foi a dos pictos da Caledónia, a que hoje chamamos Escócia, lobos
maiores, mais fortes, de pêlo cinzento azulado, com madeixas ruivas, e que
sobre os lobos lusitanos, e após observarem as suas técnicas e combinações,
afirmaram, com sotaque tipicamente escocês, que erram dignosh de ficar entre
as melhorresh alcateiash do mundo.
Depois, tiveram a honra, e o deleite
de ver em acção, com táctica e engenho superiores, a famosíssima alcateia dos
maoris, lobos negros e enormes, verdadeira máquina de organização e de
conquista e marcação de territórios, que, ao contrário dos uivos, iniciavam as
suas acções com uma espécie de dança guerreira. E foi com tal espírito, e com a
vontade de tudo conquistar, que um dia
rumaram ao sul e, por entre ventos e marés chegaram a umas ilhas a que
hoje chamamos Nova Zelândia.
Mas tal foi a sua admiração pela nossa
alcateia que até aceitaram jogar com ela um desporto lusitano muito popular que
consistia em empurrar à pata uma bola redonda.
A seguir conviveram com uma alcateia um
pouco desorganizada, trapalhona, mas com uma força e tácticas acima do que a
nossa alcateia ainda poderia almejar. Por muito pouco… Eram os lobos
transalpinos, dos montes Abruzzi, com uma especial predilecção por refeições de
massa, pasta, como eles uivavam. Foi mais um momento de aprendizagem, que as
forças já escasseavam e havia que pensar no regresso à Lusitânia.
Por fim, já estavam quase de abalada,
ainda travaram conhecimento com os lobos da Transilvânia, manhosos, um pouco
traiçoeiros, cuja força só se revelava no final de cada acção, à sucapa, dizia-se,
até com maledicência, que era só por causa de serem da terra do Senhor das
Trevas, o reputado Conde Drácula.
E chegou a hora da despedida. Orgulhosos
dos seus feitos. Aceites unanimemente pelas grandes alcateias do mundo, que, em conjunto,
diziam que estes lobos lusitanos passaram a fazer, por mérito próprio, parte do seu grande clã.
Chegados às penedias do Gerês, foi com
espanto e emoção que souberam que a sua fama, e os seus nomes já tinham
empolgado a Lusitânia e eram transmitidos de boca em boca e de ouvido em ouvido,
uivo após uivo.
Com efeito, desde os montes do Gerês, às serras do Alvão e Montesinho,
das fragas da Serra da Estrela às encostas do Alentejo e à Serra Algarvia, em
todos os poderosos maciços que as compunham, apareceram, como por magia, gravados
na pedra imperecível, os nomes desses inesquecíveis 31 lobos: Tomaz, o macho
alfa, os 3 Uva, os 2 Mateus, os 2 Pintos, o André, o Joaquim, o Murré, o
Spachuk, o Rui, o Figueiredo, o Correia, o Penalva, o Severín, o D’Orey, o
Coutinho, o Murinello, o Girão, o Pissarra, o Cabral, o Malheiro, o Gama, o
Frederico, o Portela, o Foro, o Carvalho, o Aguilar e o Leal, mais conhecido
por Pipoca.
Por isso, se hoje ouvirem um lobo a
uivar, ou olharem, olhos nos olhos, aqueles belissimos olhos amarelos, não
tenham medo dos lobos, que eles têm é medo de nós.
Acarinhem-nos, tratem bem os lobos, todos
e cada um.
Podem bem ser os descentes daqueles lobos
que foram o orgulho e a alegria da Lusitânia.
Luís Diogo – 20/06/2009 "
Curiosidade final : eis a famosa "HAKA"
dos All Blacks, aquando do jogo com Portugal, no Mundial de 2007, em
Lyon :
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